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TIRO NA ESCOLA
Cida Maria diz que não imaginou ser alvo de violência de alunos; ela costuma transmitir mensagens pacifistas em classe
Professora baleada quer dar colo a agressor
ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL
"Não irei alimentar nenhum
sentimento ruim contra quem me
deu o tiro. Nenhum. Quando me
vem à cabeça o que aconteceu,
lembro que meu agressor é uma
criança, apenas uma criança. E
penso em afagá-la, em pegá-la no
colo, em lhe aconselhar: "Não faça
mais isso"."
A professora Aparecida Maria
dos Santos Vecchi, 44, ainda falava com dificuldade ontem de manhã. Respirava devagar, exibia
hematomas nos braços e reclamava de dores. "Dói, entende? E
dói forte -para me mexer, para
caminhar, para tudo."
Na última segunda-feira, Cida
Maria, como os estudantes costumam chamá-la, levou um tiro pelas costas enquanto lecionava. A
bala saiu de um revólver calibre
38 e lhe atravessou o tórax, pouco
acima do seio esquerdo.
A agressão ocorreu por volta
das 7h30 na escola pública Ordânia Janone Crespo, que o governo
do Estado mantém em Santo André (Grande São Paulo). A polícia
sustenta que E.M.S., 13, aluno da
7ª série, disparou a arma durante
uma aula de português. O menino, preso, afirma que só se pronunciará sobre o caso em juízo.
Ontem, pela primeira vez, a
professora se manifestou. Internada no décimo andar do Hospital do Servidor Público Estadual
(zona sul paulistana), já não corre
risco de morte e deverá ter alta em
breve.
"Não sei quem atirou, nem de
que maneira, nem por quê. Estava
de costas. O garoto que acusam é
mesmo meu aluno. Não posso, no
entanto, confirmar nada." Chorando, diz acreditar que o autor
do disparo agiu "sem querer".
"Acho que não fez de propósito."
Cida define a agressão como
"estupidamente" inusitada.
"Nunca vi armas de perto, em lugar nenhum, muito menos na escola. E jamais cogitei sofrer algo
do gênero. Claro que leio notícias
sobre violência nos colégios, mas
não imaginei que aconteceria
dentro de minha sala."
Não imaginou porque sempre
buscou disseminar "mensagens
pacifistas" em classe. Todos os
anos, no primeiro dia letivo, propõe "um pacto" para os estudantes. "Peço que nos respeitemos.
Sugiro que a amizade e a franqueza guiem nosso relacionamento.
Em geral, funciona. Procuro me
portar com descontração, e as
turmas me tratam carinhosamente."
A professora também cultiva o
hábito de escrever "pensamentos
positivos" na lousa antes de iniciar qualquer aula. São frases bíblicas ou filosóficas, que coleciona há tempos. Por exemplo: "Os
homens amontoam os erros cometidos e criam um monstro, que
chamam de destino".
Na segunda-feira em que a
agrediram, Cida redigiu a mensagem de praxe ("A felicidade não
está nos bens materiais, mas em
nós"), checou a lista de presenças
(a classe tem 38 alunos) e começou uma aula sobre verbos transitivos. "Parecia um dia normal."
Os estudantes se mostravam
tranquilos e faziam silêncio quando a professora lhes deu as costas.
"De repente, ouvi um estampido.
Virei-me assustada: "Nossa, acho
que estourou uma bomba". Logo
senti falta de ar: "Gente, não consigo respirar. Acho que a bomba estourou em mim". Aí meu peito e
minhas costas esquentaram.
Olhava para os garotos, mas não
via a carinha deles. Era como se
falasse sozinha."
Uma aluna se aproximou e a
conduziu pelo braço até a porta
da sala. "No corredor, encontrei
uma colega e lhe disse: "Nilva, levei um tiro. Um tiro no coração"."
Passaram-se uns minutos, e Cida desmaiou. Mal recobrou a
consciência, avistou -ainda na
escola- a menina que a conduzira. "Ela gritava: "Não morre, professora, não morre"."
Casada com um metalúrgico
aposentado e mãe de três filhos,
Cida exerce a profissão desde
1981. Dá 32 aulas semanais, de
português ou inglês, sempre em
colégios públicos. Ganha cerca de
R$ 1.000 por mês.
Evangélica (ou simplesmente
"cristã", como prefere), crê que
Deus livrou-a da morte. "Sua mão
desviou a bala."
Evita responder com clareza se
retornará à rotina escolar. Não diz
nem sim nem não. Apenas volta a
mencionar Deus ("Ele conduz
minha carreira") e ressalta: "Amo
o magistério, e o tiro não alterou
em nada o meu amor".
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