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LETRAS JURÍDICAS
Soberania e nacionalidade na Alca e na África
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Nas discussões sobre a
Alca e na viagem à África,
o presidente Lula da Silva referiu
mais de uma vez sua preocupação com a soberania e com a nacionalidade. São conceitos de importância crescente nesta era, em
que se mesclam globalização e a
existência de uma só superpotência no jogo das influências. Em
meu "Direito Constitucional Brasileiro" (Saraiva, 3ª edição, 477
páginas), defino soberania como
o poder absoluto e originário de
governo, exercível em nome do
povo pelo Estado, com independência, segundo suas
próprias leis.
Soberania é um fundamento da
República brasileira, assim indicado no primeiro artigo da Constituição. Apesar da posição importante, soberania não é conceito absoluto. Nunca foi. No mundo
moderno, é temperado pelos tratados, pela filiação a organismos
internacionais, como a OMC (Organização Mundial do Comércio)
e a ONU (Organização das Nações Unidas), apesar do desprezo
que lhe votou George W. Bush ao
invadir e ocupar o Iraque sob falsas desculpas. Os Estados Unidos
mostram que mesmo a superpotência, com economia e armas
imbatíveis, teve de voltar atrás e
pedir a participação de outras nações no mesmo Iraque, o que será
possível se ceder parte de sua
capacidade de decidir
unilateralmente.
O conceito de nacionalidade
também não é absoluto, conforme tenho escrito ao longo do tempo, em mais de uma coluna. É nacional do Brasil o cidadão nascido aqui ou em país estrangeiro,
mas registrado em consulado
brasileiro. Nacionalidade tem
composição jurídica, política e
psicológica. Vincula a pessoa à
sua nação. A composição jurídica
é distinguida na Constituição entre brasileiros natos e naturalizados, além do tratamento mais favorável aos portugueses. A composição política envolve deliberações específicas (caso dos portugueses). Lula, na África, assinala
os muitos traços que aproximam
a nacionalidade brasileira das
nações de fala portuguesa naquele continente.
Cabe mencionar que, em país
cujos fluxos imigratórios foram
fundamentais para o crescimento, a emenda de revisão nº 3/94
determina que, havendo outra
nacionalidade do brasileiro, na
forma de lei estrangeira, independentemente de naturalização, ela
é reconhecida no Brasil sem prejuízo da subsistência integral da
nacionalidade brasileira. Caso
comum, em São Paulo, é o dos
descendentes de italianos. Sendo,
como sou, neto de quatro italianos, estou nesse caso. Observados
certos requisitos da lei da Itália,
os que se encontrem nessa situação são considerados italianos,
tenham ou não recebido documentação daquele país.
Lula tem razão quando considera, em termos de nacionalidade e de soberania, que a vinculação à Alca depende de que os
acordos nos favoreçam. Os Estados Unidos querem impô-la aos
latino-americanos, convencendo-os de que isso é bom. Se é bom para os Estados Unidos, pode ser
bom, em parte, para a América
Latina, variando de país para
país, o que não exclui a possibilidade de que certos elementos econômicos comuns nos unam no
mesmo bloco. Daí o justo cuidado
com as repercussões econômicas
decorrentes da aplicação do acordo no Brasil pelo chefe do Executivo, que devem ser acompanhadas de perto pela população. Com
soberania e nacionalidade, não
se brinca.
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