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São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Soberania e nacionalidade na Alca e na África

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Nas discussões sobre a Alca e na viagem à África, o presidente Lula da Silva referiu mais de uma vez sua preocupação com a soberania e com a nacionalidade. São conceitos de importância crescente nesta era, em que se mesclam globalização e a existência de uma só superpotência no jogo das influências. Em meu "Direito Constitucional Brasileiro" (Saraiva, 3ª edição, 477 páginas), defino soberania como o poder absoluto e originário de governo, exercível em nome do povo pelo Estado, com independência, segundo suas próprias leis.
Soberania é um fundamento da República brasileira, assim indicado no primeiro artigo da Constituição. Apesar da posição importante, soberania não é conceito absoluto. Nunca foi. No mundo moderno, é temperado pelos tratados, pela filiação a organismos internacionais, como a OMC (Organização Mundial do Comércio) e a ONU (Organização das Nações Unidas), apesar do desprezo que lhe votou George W. Bush ao invadir e ocupar o Iraque sob falsas desculpas. Os Estados Unidos mostram que mesmo a superpotência, com economia e armas imbatíveis, teve de voltar atrás e pedir a participação de outras nações no mesmo Iraque, o que será possível se ceder parte de sua capacidade de decidir unilateralmente.
O conceito de nacionalidade também não é absoluto, conforme tenho escrito ao longo do tempo, em mais de uma coluna. É nacional do Brasil o cidadão nascido aqui ou em país estrangeiro, mas registrado em consulado brasileiro. Nacionalidade tem composição jurídica, política e psicológica. Vincula a pessoa à sua nação. A composição jurídica é distinguida na Constituição entre brasileiros natos e naturalizados, além do tratamento mais favorável aos portugueses. A composição política envolve deliberações específicas (caso dos portugueses). Lula, na África, assinala os muitos traços que aproximam a nacionalidade brasileira das nações de fala portuguesa naquele continente.
Cabe mencionar que, em país cujos fluxos imigratórios foram fundamentais para o crescimento, a emenda de revisão nº 3/94 determina que, havendo outra nacionalidade do brasileiro, na forma de lei estrangeira, independentemente de naturalização, ela é reconhecida no Brasil sem prejuízo da subsistência integral da nacionalidade brasileira. Caso comum, em São Paulo, é o dos descendentes de italianos. Sendo, como sou, neto de quatro italianos, estou nesse caso. Observados certos requisitos da lei da Itália, os que se encontrem nessa situação são considerados italianos, tenham ou não recebido documentação daquele país.
Lula tem razão quando considera, em termos de nacionalidade e de soberania, que a vinculação à Alca depende de que os acordos nos favoreçam. Os Estados Unidos querem impô-la aos latino-americanos, convencendo-os de que isso é bom. Se é bom para os Estados Unidos, pode ser bom, em parte, para a América Latina, variando de país para país, o que não exclui a possibilidade de que certos elementos econômicos comuns nos unam no mesmo bloco. Daí o justo cuidado com as repercussões econômicas decorrentes da aplicação do acordo no Brasil pelo chefe do Executivo, que devem ser acompanhadas de perto pela população. Com soberania e nacionalidade, não se brinca.


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