|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
O mortífero celular
Antes que fizesse qualquer coisa, Tony já tinha lhe metido três balas na cabeça;
Cipriano caiu sem um gemido
|
Máfia italiana "disfarça" arma em formato de celular. A polícia italiana descobriu na semana passada um aparelho celular que, na verdade, é uma arma calibre
22. O "telefone-arma" tem a capacidade
para quatro balas, e foi apreendido com
gângsteres da máfia italiana, em Nápoles. Segundo a polícia, o telefone se transforma em arma ao deslizar o teclado; um
toque em uma tecla específica faz a bala
disparar. "É a primeira vez que uma arma desse tipo foi apreendida. Isso mostra a sofisticação tecnológica. Os mafiosos estão transformando a criminalidade", disse um porta-voz da polícia italiana. Folha Online
OS DOIS ERAM mafiosos, os dois
eram jovens e ambiciosos, os
dois eram conhecidos pela
astúcia e pelo temperamento violento. Tony "Raivoso" e Cipriano "Escorpião" se odiavam. Um havia jurado matar o outro. Mas a ambos repugnava pagar um assassino para fazer isso; ambos queriam, eles próprios, fazer justiça, como diziam,
com as próprias mãos. Cara a cara.
O que seria difícil. Encontravam-se freqüentemente, em geral num
pitoresco restaurante onde ambos
costumavam almoçar ou jantar. E aí
conversavam cordialmente, como
se fossem bons amigos. Mas, claro,
um estava observando o outro. Se
Tony levasse a mão ao bolso interno
do paletó, Cipriano já estaria com a
automática na mão, pronto para disparar. Portanto, evitavam fazer
qualquer gesto suspeito. Mas tinham a certeza que um dia, o
inimigo descobriria um jeito de
empunhar uma arma sem cha-
mar a atenção.
Foi então que Tony ficou sabendo
do telefone-arma, que estava sendo
usado por gângsteres em Nápoles. E
estremeceu: em matéria de astúcia,
de traição, aquilo era a obra-prima.
Com todo mundo usando celular,
quem desconfiaria desse truque?
Naquela noite, não dormiu. Tinha
certeza que, assim como soubera da
notícia, Cipriano também já estava
informado acerca do telefone-arma.
Provavelmente já tinha o seu. E isso
era para ele, Tony, uma ameaça terrível. Com esse alerta muito presente, dirigiu-se, ao meio-dia, para o
restaurante, esperando que Cipriano não estivesse lá.
Mas Cipriano estava lá, e recebeu
o desafeto de maneira surpreendentemente amável e até carinhosa.
Porque tinha uma novidade para
contar: acordara no meio da noite
com uma certeza: estava na hora de
dar um fim àquela rivalidade, aquele
ódio. Por que não se uniam, os dois, e
seus grupos? Unidos, seriam imbatíveis. Tony não estava de acordo?
Desconfiado, Tony disse que sim,
que aquela era uma boa idéia,
impregnada, inclusive, de espírito
natalino. Se você concorda, disse
Cipriano, radiante, vou avisar minha gente agora. E tirou do bol-
so o celular.
Antes que fizesse qualquer coisa,
Tony já tinha lhe metido três balas
na cabeça. Cipriano caiu sem um gemido. Tony apanhou o celular. Não
era uma arma, era um celular mesmo, dos antigos. Cipriano morrera
por equívoco.
Mas Tony não admitiria seu erro.
O culpado de tudo era o próprio Cipriano. Que história era aquela de,
subitamente, falar ao celular? Bem
que ele poderia ter recorrido a outro
método para avisar seus homens.
Pombo-correio, por exemplo.
Mesmo porque o pombo, como se
sabe, é o símbolo da paz.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
Texto Anterior: Setores: Parque tem área específica para cortejo e para sexo dos usuários Próximo Texto: Consumo: Ponto Frio não enviou presentes de casamento na data, diz leitor Índice
|