São Paulo, terça-feira, 08 de dezembro de 2009

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ANÁLISE

O símbolo da praça

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Desde que começou a ser tomada por grupos teatrais, a praça Roosevelt se converteu num cenário de resistência da cidade de São Paulo contra a degradação. Faltava-lhe um símbolo para sintetizar esse enredo urbano. Esse símbolo passou a se chamar Mário Bortolotto.
Tudo ali parece um roteiro. O espaço abandonado e violento, quase morto, vai ganhando vida com os palcos e seus novos personagens, que começam a se misturar com prostitutas, travestis, assaltantes, viciados, em meio a sujeira por todos os lados. Contra quase tudo e quase todos muitas vezes, contra o próprio poder público -cada centímetro ganho, com um novo teatro, parece a conquista de um território ocupado.
Revitalizações que os governos não conseguem fazer ou se arrastam há anos, como a chamada Nova Luz, surgiram, informalmente, na Roosevelt, trazendo arte e criatividade. O que cabia ao governo -e já havia até dinheiro para reformar a praça- ainda tramita na dramaturgia previsível da burocracia.
Daqueles palcos alternativos, irradiaram-se luzes que ajudaram a montar o grande palco de todas as tribos paulistanas. Em nenhum lugar, há tanta gente diferente, representando tantas tendências, como a região do Baixo Augusta.
Quem acompanha de perto essa movimentação sabe das dificuldades cotidianas, a começar das variadas formas de violência, levando muitos a pensar em desistir e alguns a desistir. A repressão à cracolândia significou não o fim do crack, mas sua disseminação pelo entorno.
A maioria não desistia porque, no fundo, estava presa a um roteiro de autoria coletiva. Há, no ar, a sensação de se contar uma bela história, de fazer história.
Não havia, porém, um grande personagem à altura. Até os tiros contra Bortolotto, cujo site se chama "Atire no Dramaturgo" e que estava em cartaz com a peça "Brutal". Fosse ficção, diriam que o autor estava exagerando.
Até se pode dizer que o herói foi um pouco vítima de seu temperamento explosivo. A forma como reagiu ao assalto não é a mais recomendável, é como se não conhecesse -ou não quisesse- os códigos de prudência. Reagiu como se estivesse não na realidade, mas num palco. Preferiu não fazer o papel da vítima passiva, acuada. Era como se reagisse solitariamente a toda uma cidade selvagem. Enfrentou, desarmado, apenas com palavras, a brutalidade. Não percebia que estava indo tão no limite quanto seus algozes.
Mas não estava no palco e os marginais tinham armas de verdade. Ao ir para a UTI, tinha deixado a cena mais profunda da praça Roosevelt.


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