São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003

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GOVERNO LULA

Ministérios precisarão de dois anos para colocar plano em prática, diz especialista; ação de prefeituras será decisiva

Regularização de favelas só começa em 2005

Tuca Vieira/Folha Imagem
Cartaz anuncia venda de casa na favela Heliópolis (zona sul de SP); favela de Paraisópolis, também na zona sul, abriga até "imobiliárias"


SÉRGIO DURAN
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O governo federal deve demorar dois anos até conseguir colocar em prática o programa de regularização fundiária anunciado pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Esse, segundo a secretária-executiva do Ministério das Cidades, Ermínia Maricato, é o prazo necessário para mapear áreas invadidas, identificar os obstáculos do processo e desenvolver estratégias.
Iniciativas como a instituição de uma vara específica para receber ações de usucapião urbano e um acordo com cartórios estão na pauta do grupo de técnicos que vai delinear o programa. A primeira reunião será feita amanhã.
Segundo Maricato, durante os dois anos de preparação os casos mais simples poderão ser resolvidos pelos municípios. "Hoje, apesar dos vários entraves, há leis e mecanismos que permitem a regularização."
Os técnicos que discutirão o programa integram os ministérios das Cidades e da Justiça. O coordenador deverá ser o advogado e especialista no assunto Ricardo Pereira Lira, professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
O programa terá de enfrentar obstáculos como burocracia dos cartórios, divergências na Justiça no julgamento de ações de usucapião urbano e falta de quadros técnicos nas prefeituras.
O perfil variado dos proprietários das terras invadidas é um dos principais obstáculos. Há áreas do governo federal -inclusive de ministérios militares-, da Rede Ferroviária Federal e de prefeituras, por exemplo. Além disso, a irregularidade não está só na favela. Há até conjuntos habitacionais, como os do Projeto Cingapura, em São Paulo, cujos moradores não têm posse formal do imóvel.
Na capital paulista, favelas foram construídas sobre terrenos das prefeituras. São as chamadas terras "afetadas", ou seja, onde deveria haver áreas verdes, ruas etc. Para regularizar as casas nesses locais é preciso aprovar na Câmara Municipal uma lei específica para cada área afetada.
A julgar pelas experiências latino-americanas nesse setor, o programa brasileiro precisará de cerca de dez anos para atingir parte significativa das famílias que vive em terras invadidas.
O Peru desenvolve há sete anos um programa de legalização fundiária que serve de parâmetro para vários países. Porém lá as favelas não são urbanizadas. Os moradores recebem apenas o título da posse. O governo, segundo Ermínia, não tem o exemplo peruano como referência.
Segundo tese defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, metade das habitações de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo são irregulares.
Nesta semana, o ministro da Justiça anunciou o plano de promover a regularização fundiária a partir de sua pasta. A declaração pegou de surpresa especialistas, e, segundo a Folha apurou, integrantes do próprio governo.
Isso ocorreu porque seria a partir do recém-criado Ministério das Cidades, e não da Justiça, que o programa de regularização fundiária seria elaborado.
Urbanistas elogiaram a iniciativa de Bastos, mas manifestaram a preocupação de que a regularização seja feita à peruana -somente no âmbito jurídico.
"A posição do ministro é excelente porque é nos tribunais que os processos de regularização encontram dificuldade", afirma a urbanista Raquel Rolnik, do Instituto Pólis, que está lançando, com a Caixa Econômica Federal (CEF), o livro "Regularização da Terra e Moradia - O que é e Como Implementar". "Mas a questão envolve muitos outros fatores além do jurídico", diz.
O urbanista Flavio Villaça, autor do livro "Espaço Intra-Urbano no Brasil", compartilha da mesma opinião. "A regularização pressupõe divisão em lotes, traçado de ruas, praças etc. Isso é inclusão e envolve muita coisa, do asfalto ao acesso para o Corpo de Bombeiros, já que as favelas têm sofrido com incêndios", diz Villaça.


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