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BATICUM
ANTONIO PRATA
Os fenícios, os figurantes e Lea T.
O DESFILE das escolas de
samba do Rio é como um último capítulo de novela,
quando todos os personagens se encontram numa
grande festa e, a despeito de
seus diferentes núcleos, credos, cores ou classes sociais,
brindam à concórdia universal. Com a vantagem de que,
se uma novela dura seis, oito
meses, o Carnaval carioca
encerra um folhetim que estendeu-se por milhões de
anos, do surgimento da vida
na terra até, digamos, a consagração de Lea T. Os fenícios, Roberto Carlos, Darwin, King Kong, lendas de
Floripa e os rituais romanos
de colheita: nada escapa ao
nosso festivo panteísmo.
Enquanto o Salgueiro canta
"Carlota Joaquina veio descobrir/ Na busca o bonde da Lapa Madame Satã/ Pequena
Notável requebra até de manhã", Vanderlei Luxemburgo
dá entrevista pra TV, Eri Johnson ensaia uns passos a la
Carlitos, de cartola e bengala,
na dispersão, e, não muito
longe dali, o Alemão, do BBB,
tira fotos com as fãs.
No camarote de uma marca de cerveja, a confusão de
temas, épocas e pessoas repete o ziriguidum semântico
da avenida. Enquanto a Mocidade canta o fim da era do
gelo, uma ex-paniquete
aguarda para entrar ao vivo,
na TV -"Nossa, se eu tivesse
uma bunda dessas, eu já tava
em Hollywood!", comenta a
mulher ao meu lado-, o secretário de segurança posa
para as câmeras da imprensa, Jorge Ben Jor pergunta ao
barman onde fica o banheiro.
Aos figurantes, como eu,
cabe assistir aos dois desfiles,
o de dentro e o de fora do camarote, fazendo e ouvindo comentários com essa estranha
intimidade que se cria entre os
que normalmente se encontram em lados opostos do tubo catódico. Alguém critica a
cirurgia bariátrica de um
apresentador, outro elogia a
forma da Glória Pires, uma
mesa debate as estratégias de
Beltrame contra o crime organizado e o xixi descontrolado
pelas ruas da cidade.
Faz todo sentido que a novela acabe com o Roberto Carlos, representante de tantas
frentes: começou de calhambeque e terminou de iate, foi
galã, bom moço e terrível; vai
do bispo ao Mangue Beat, do
pessoal da arquibancada aos
vips dos camarotes.
Dizem que a Beija-Flor só
entrou de manhã porque o
Rei recusou-se a desfilar sob
o negrume da noite: exigiu de
Deus um céu azul, sua cor
preferida. O Senhor disse que
azul não dava, fez o que pode,
entraram num acordo: Roberto Carlos saiu sob o céu
nublado, branco, que vem a
ser, mui convenientemente
para o final desta crônica, a
soma de todas as cores.
Taí, aliás, um bom tema
pra 2012. "Branco, soma de
todas as cores". Sugiro até o
começo: "Fiat Lux, disse o Senhor/ E o branco assim Ele
criou/ Oô! Oô!". Dá pra encaixar fenício, neve, miscigenação, o olho, Deus e o mundo.
Literalmente.
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