São Paulo, quarta-feira, 09 de março de 2011

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BATICUM

ANTONIO PRATA

Os fenícios, os figurantes e Lea T.

O DESFILE das escolas de samba do Rio é como um último capítulo de novela, quando todos os personagens se encontram numa grande festa e, a despeito de seus diferentes núcleos, credos, cores ou classes sociais, brindam à concórdia universal. Com a vantagem de que, se uma novela dura seis, oito meses, o Carnaval carioca encerra um folhetim que estendeu-se por milhões de anos, do surgimento da vida na terra até, digamos, a consagração de Lea T. Os fenícios, Roberto Carlos, Darwin, King Kong, lendas de Floripa e os rituais romanos de colheita: nada escapa ao nosso festivo panteísmo.
Enquanto o Salgueiro canta "Carlota Joaquina veio descobrir/ Na busca o bonde da Lapa Madame Satã/ Pequena Notável requebra até de manhã", Vanderlei Luxemburgo dá entrevista pra TV, Eri Johnson ensaia uns passos a la Carlitos, de cartola e bengala, na dispersão, e, não muito longe dali, o Alemão, do BBB, tira fotos com as fãs.
No camarote de uma marca de cerveja, a confusão de temas, épocas e pessoas repete o ziriguidum semântico da avenida. Enquanto a Mocidade canta o fim da era do gelo, uma ex-paniquete aguarda para entrar ao vivo, na TV -"Nossa, se eu tivesse uma bunda dessas, eu já tava em Hollywood!", comenta a mulher ao meu lado-, o secretário de segurança posa para as câmeras da imprensa, Jorge Ben Jor pergunta ao barman onde fica o banheiro.
Aos figurantes, como eu, cabe assistir aos dois desfiles, o de dentro e o de fora do camarote, fazendo e ouvindo comentários com essa estranha intimidade que se cria entre os que normalmente se encontram em lados opostos do tubo catódico. Alguém critica a cirurgia bariátrica de um apresentador, outro elogia a forma da Glória Pires, uma mesa debate as estratégias de Beltrame contra o crime organizado e o xixi descontrolado pelas ruas da cidade.
Faz todo sentido que a novela acabe com o Roberto Carlos, representante de tantas frentes: começou de calhambeque e terminou de iate, foi galã, bom moço e terrível; vai do bispo ao Mangue Beat, do pessoal da arquibancada aos vips dos camarotes.
Dizem que a Beija-Flor só entrou de manhã porque o Rei recusou-se a desfilar sob o negrume da noite: exigiu de Deus um céu azul, sua cor preferida. O Senhor disse que azul não dava, fez o que pode, entraram num acordo: Roberto Carlos saiu sob o céu nublado, branco, que vem a ser, mui convenientemente para o final desta crônica, a soma de todas as cores.
Taí, aliás, um bom tema pra 2012. "Branco, soma de todas as cores". Sugiro até o começo: "Fiat Lux, disse o Senhor/ E o branco assim Ele criou/ Oô! Oô!". Dá pra encaixar fenício, neve, miscigenação, o olho, Deus e o mundo. Literalmente.


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