São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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DANUZA LEÃO

Pobre homem

Era um restaurante simples, e eles foram chegando aos poucos: três moças, sendo que duas com seus respectivos maridos, uma sem nenhum, depois os pais das moças. Como era aniversário da mãe, muitos beijos foram trocados, e teve até ligações de celulares tipo "fala com mamãe, ela chegou agora". Pareciam todos bem felizes.
Via-se que as moças eram irmãs: os narizes eram grandes, mas não demais, os olhos, enormes, naturalmente maquiados, e nenhuma delas poderia ser modelo: o manequim das três era entre o 44 e o 48, estavam todas bem felizes e duvido que o tema dieta tenha sido algum dia debatido entre elas.
Via-se que gostavam de comer, e num determinado momento um dos genros levantou o copo de cerveja e disse "viva minha sogra". Todos brindaram e a mesa foi ficando cada vez mais animada.
A mulher do que levantou o brinde era a mais bonita das três. Devia ter entre 35 e 40, era simplona, sem nenhuma pintura no rosto, comunicativa e carinhosa com todos, sobretudo com o marido. Como os pratos -ah, esqueci de dizer que o restaurante era árabe- eram muitos, volta e meia ela pegava uma garfada de uma travessa que estava mais longe e dava na boca do marido.
Parecia ser uma mulher doce e às vezes fazia um carinho nele, que correspondia, e de vez em quando rolava até um beijo entre os dois. Era claro que eles viviam bem, sem excessos de paixão e com uma ausência de ciúmes que só existe entre casais que se dão muito bem em todos os sentidos.
Foi aí que, por acaso, os olhos dele cruzaram com os olhos de uma mulher em outra mesa. Seu olhar parou nela por alguns segundos, e ele se transformou.
Aquele homem na dele, certamente feliz -ninguém diz "viva minha sogra", sem ironia, a não ser quando tem ótimas relações com a mulher-, virou, de repente, um galã. Um galã de quinta, mas um galã.
De um minuto para o outro ele ficou parecendo o clássico conquistador de filmes classe B/C, que manda mensagens com o olhar. A mensagem, sempre a mesma: ia do "o que eu seria capaz de fazer com você numa cama" a "não sou daqueles que precisam de Viagra". As coisas não pararam por aí: ele tentou repetir o olhar, mas a mulher achou a cena ridícula demais e virou a cabeça para o outro lado.
Esse homem devia saber, com certeza absoluta, que jamais iria vê-la de novo. Pelas circunstâncias, não ia rolar um torpedo, um número de telefone não ia ser passado, eles nunca mais iriam se cruzar na vida. Então, qual a graça?
Acontece que ele é aquele tipo de homem cafajeste que não pode ver uma mulher sem fazer "aquele" olhar. São os conquistadores, que não estão olhando nem ao menos porque estão achando a mulher linda -ela nem era-, mas só para se provar, para provar ao mundo que é um machão. Se sua própria mulher interceptasse o olhar dele naquela hora, ficaria espantada com a transformação daquele homem que ela conhecia tão bem.
Acho que ela não teria raiva nem ciúmes, não ficaria triste nem infeliz; apenas acharia que era casada com um bobo, bobo como conseguem às vezes serem os homens.
E se fosse muito, mas muito sábia, ficaria com um pouquinho de pena dele.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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