São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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EXCLUSÃO

Coordenador de ações municipais diz que emancipação econômica de beneficiados esbarrou em estagnação do país

"Tentamos, mas o bonde não passou"

DA REPORTAGEM LOCAL

Com mais de 40 anos, dona Maria foi selecionada para o Começar de Novo. Recebeu R$ 160 por mês, fez curso de cidadania e ajudou a organizar os estudantes na saída de uma escola do bairro. Seis meses depois, porém, o período da bolsa terminou. E dona Maria voltou a viver de bicos.
Há Marias de Parelheiros a Brasilândia. Do Rio Pequeno a Guainazes. O destino das famílias depois do fim do período de transferência de renda é uma das incógnitas dos programas sociais, pois nunca houve acompanhamento dos que perderam as bolsas.
Sem estudos, o governo municipal já admite que a perseguida emancipação econômica dificilmente chegou à porta dessas pessoas, frisa que até em países desenvolvidos de 10% a 30% da população depende de transferência de renda, mas confirma que a miséria possivelmente aumentou na periferia da capital nos últimos três anos -período em que mais de meio bilhão de reais foi distribuídos pelos programas sociais.
"Com os índices de desemprego a que chegamos, não vai me surpreender se a pobreza tiver crescido. Mas poderia ter sido pior. Em vez de 20% de desempregados, poderíamos ter 25%. Talvez seja esse o limite de ação dos municípios -conter essas pessoas fora do mercado de trabalho", afirma Marcio Pochmann, secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da prefeitura.
Embora diga que empregos não eram sua principal preocupação, o governo reconhece que não chegou exatamente aonde sonhava.
"Acreditávamos que, com a estabilidade monetária e o crescimento econômico, tudo o que nós faríamos seria pró-cíclico", continua o secretário. "Pegaríamos o cara que o crescimento normalmente não atinge, tiraríamos da necessidade de sobrevivência de curto prazo, daríamos capacitação e deixaríamos pronto para pegar essa onda, esse bonde do crescimento. Tentamos, mas o bonde não passou. Você pode chegar à conclusão de que são débeis os resultados, mas não há milagre."
O sumiço do bonde tem reflexo claro nos resultados obtidos pela prefeitura nos chamados programas emancipatórios -que pretendem fazer o sujeito passar a garantir sua própria renda. Neles, os beneficiários não chegaram a 12 mil até agora.
"Os dados mostram que os programas são bastante paliativos, sem escala e com pouca capacidade de inverter a situação no âmbito municipal. O alcance social dessas iniciativas só será maior se elas forem somadas a ações de impacto em setores econômicos com vocação de geração de emprego", diz o médico Jorge Kayano, 51, pesquisador de indicadores sociais do Instituto Pólis, uma ONG paulistana com foco no desenvolvimento sustentável.
Kayano não defende a interrupção dos programas, mas sua vinculação a investimento capazes de gerar novos postos de trabalho.
Carente de resultados, o fantasma do assistencialismo incomoda o governo. Para a administração municipal, o que se faz nos programas é exatamente combater essa forma de política social.
"Estamos evitando o aprofundamento da exclusão, o maniqueísmo, o assistencialismo e o clientelismo político-eleitoral", sustenta Pochmann. "Hoje, de cada dez jovens, sete pressionam o mercado de trabalho. Isso é o estoque da miserabilidade! E nós estamos agindo nele, garantindo um contingente maior de pessoas com mais escolaridade. Isso não é importante?", questiona.
O governo calcula que de cada R$ 10 de renda transferida, R$ 2 voltem para os cofres públicos em forma de impostos ou de economia com educação e saúde, pois os programas estariam reduzindo doenças ligadas à subnutrição, evasão escolar e violência.
"Isso é emancipação social e política. E emancipação política não é votar na Marta. Não me interessa se as pessoas vão sair do programa e votar na Marta. Elas que votem em quem quiserem. Me interessa é incentivá-las a escrever de outra forma sua história."
(SÍLVIA CORRÊA)


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