São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMPORTAMENTO

Livrarias sofisticadas viram local de busca de relacionamento

Atrás de um bom livro pode estar uma ótima paquera

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Todo domingo, Alessandra, 27, toma o caminho de sua livraria predileta (uma das megastores da cidade) com um objetivo e uma fantasia: checar as novas edições da seção de arte e, enquanto espia um ou outro volume, conhecer um cara interessante.
Certa vez, a freqüência local lhe pareceu compatível com os caprichos de sua imaginação. Alessandra viu um homem "maravilhoso". Aproximou-se um pouco para tentar reconhecer o livro que seu alvo tinha nas mãos. Perfeito.
Seu coração disparou. Uns passos a mais e o inesperado: "Benhê, vem aqui ver que livro legal eu achei". Bastou uma frase para o castelo que Alessandra construíra em poucos minutos desmoronar. "E o "benhê" que apareceu era outro cara ainda mais maravilhoso que ele. Não pude acreditar", conta. "Mas tudo bem. Tenho esperança de que, algum dia, essa fantasia vá se realizar", conforma-se.
Com a mudança no perfil das livrarias -que hoje contam com espaços confortáveis para leitura, cafés, exposições, cursos e shows-, que induz os leitores a passar mais tempo entre prateleiras e atrai mais gente, há quem as considere uma ótima opção de lugar para paquerar.
"Já falei para a minha sobrinha ir à Fnac para ver se ela conhece alguém legal. Em bar, ela vai arranjar, no máximo, um rolo", diz Ana Lúcia Godoy, 49.
O conselho tem fundamento em sua própria experiência: Ana conheceu dois de seus mais recentes namorados no local. Com o segundo deles, o psicólogo Carlos Francisco Lombardi, 48, ela já comemora um ano e meio de namoro. "Acho que, nas livrarias, você encontra pessoas com as quais sabe que haverá uma qualidade diferenciada na conversa e nos assuntos", aposta Lombardi. "É um lugar onde as pessoas buscam um pouco de romantismo."
Para Ana, um fator decisivo na paquera em livrarias é a identificação de todos ali com um mesmo assunto: a leitura.
"Se você vai a um bar, encontra de tudo. Se quiser encontrar alguém interessado e informado, a livraria já filtra essas pessoas para a paquera", acredita Sônia Goldfeder, criadora dos Cafés Filosóficos, debates que acontecem semanalmente nas unidades da Livraria Cultura. "O próprio Marc Sautet, que criou os cafés filosóficos na França, conheceu sua mulher em um evento desses numa livraria", conta.
"Mesmo assim, você pode selecionar o alvo pelo livro de seu interesse. Se há alguém folheando um Sidney Sheldon e outra pessoa com um Thomas Mann, é claro que vou me identificar com a segunda leitora", diz Lombardi.
Só que nem todo mundo investiga o objeto de seu desejo antes de se aproximar. Durante visita a uma livraria, a reportagem flagrou o indiano Samir Bhutani, 31, levando um fora de uma cliente da loja, que se afastou rapidamente quando percebeu a aproximação do estrangeiro, cheio de intenções. Era paquera? "Claro. Esse é o meu hobby. Aliás, antes dessa entrevista, tinha pensado em flertar com você", disse.

Bola fora
O professor de relações amorosas da Faculdade de Psicologia da USP, Ailton Amélio, autor do livro "O Mapa do Amor" (Ed. Gente), afirma que casos de paquera em livrarias já bateram em seu consultório. "Procuro verificar in loco o que ouço no consultório e percebi que não é fácil paquerar em uma livraria. Há muita bola fora. Gente que parece estar só, às vezes, está acompanhada", alerta.
"Quando se vai a um local de paquera, como um bar, quem está ali sabe que há pessoas dispostas a um contato. Numa livraria, isso é ambíguo. É preciso dar e buscar sinais de disponibilidade", diz.
Em sua investigação, Amélio chegou a fazer algumas tentativas de aproximação. "Um bom truque é fazer comentários em voz alta não direcionados. A outra pessoa pode responder."

Opção
O psicoterapeuta Sérgio Savian, 49, já ganhou o título de personal trainer da paquera. Além de ter publicado oito livros sobre relacionamentos (três deles sobre paquera), Savian dá palestras e workshops a respeito do tema em todo o Brasil e disponibiliza dicas em seu site (www.mudancadehabito.com.br). "Crio várias situações em que a paquera é possível. Um desses lugares é uma livraria. Acho uma ótima alternativa ao bar, local tradicional de paquera que está ligado ao álcool e a um contato rápido e sexualizado."
Para a escritora Fábia Vitiello Azevedo, 33, que conheceu seu marido em uma livraria há cinco anos, essa é a grande vantagem do local. "É um espaço maravilhoso porque, teoricamente, não tem ninguém de fogo. E a chatice ou a simpatia das pessoas não pode ser creditada ao álcool", conta.
Savian explica que, como na livraria há gente de vida cultural mais rica, a aposta dos paqueradores é que ali haja uma conversa mais profunda. Para ele, quem quer namorar deve ter mais sucesso numa livraria que num bar. Quem não quer levar um fora também: "As pessoas que lêem são mais delicadas e educadas. Portanto, se rolar um fora, vai ser algo com classe, sem grandes constrangimentos".
Mas o personal trainer da paquera, que elaborou um passo a passo sobre o tema e um guia dos leitores das principais seções de uma livraria, avisa: "O cara que não gosta de ler e for a uma livraria paquerar de forma oportunista tem de tudo para se dar mal". "É preciso ter coerência com o que você quer e o local aonde vai", afirma o especialista em conquistas.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Imigração: Com feiras nos finais de semana, bairro de Canindé vira La Paz
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.