São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

Próximo Texto | Índice

VIOLÊNCIA

Comerciantes de drogas amedrontam moradores, restringem acesso de visitantes e impõem lei do silêncio a entidades

Tráfico em SP imita o do Rio e sitia favelas

DA REPORTAGEM LOCAL

DA SUCURSAL DO RIO

O narcotráfico criou nas favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo uma rede de poder paralelo que comanda o cotidiano de moradores e altera dois fundamentos do Estado democrático: o direito de ir e vir e o conceito de justiça.
No dia-a-dia dessas regiões sob o controle de traficantes há pontos de bloqueios com homens armados, revistas e até o completo isolamento de estranhos.
Há uma semana, o jornalista Tim Lopes, da Rede Globo, desapareceu quando fazia uma reportagem sobre o tráfico na favela Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão (zona norte do Rio).
Nas últimas duas semanas, a Folha ouviu cerca de 60 pessoas, no Rio e em São Paulo, entre moradores, líderes comunitários, comerciantes, policiais e membros de entidades não-governamentais. A maioria aceitou falar desde que garantido o anonimato.
Cerca de 2 milhões de pessoas vivem nas regiões visitadas nas duas capitais. Pelo menos a metade disso estaria sob as regras do comando paralelo do tráfico.
O que se viu nesses locais foi uma semelhança entre as duas capitais no modo como o tráfico sitia, ocupa e expulsa, mas com o Rio em um estágio mais avançado e São Paulo seguindo seus passos.
Tanto que as investigações policiais indicam a existência de uma aproximação -e possível associação- entre traficantes paulistas e cariocas.
Prova disso está no processo da Justiça de São Paulo contra o traficante Claudair Lopes de Faria, 35, o Claudinho, principal distribuidor da zona oeste da capital. A quebra do sigilo bancário do irmão dele, Antonio Carlos, apontou remessa de dinheiro para o doleiro Omar Ayoub, acusado no Rio de ser a pessoa que lavava dinheiro para Fernandinho Beira-Mar, apontado como um dos maiores traficantes do país.
O Denarc (Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos) paulista afirma que não há "filiais" cariocas no Estado.
""Em São Paulo, o tráfico domina um ponto-de-venda, mas não a favela toda, como no Rio", disse o delegado Ivaney Cayres de Souza, diretor do Denarc, sobre as diferenças do tráfico nas capitais.
Mas as semelhanças são visíveis ao comparar histórias encontradas pela Folha.

Acesso
A primeira restrição imposta pelo tráfico no Rio é o controle dos acessos às favelas. Um visitante tem de se identificar diante de ""olheiros" postados em pontos estratégicos ou pode acabar interceptado por homens armados.
Em São Paulo, na favela Tijuco Preto, no Itaim Paulista (zona leste), crianças jogam pedras nos estranhos que entram na comunidade sem autorização, segundo voluntários religiosos que escaparam de um cerco delas.
Na favela do Gato, no Bom Retiro (centro), de novembro de 2001 a março passado, as duas entradas da favela ficaram guardadas por homens armados.
No Rio, com a autorização do tráfico e a intermediação da associação de moradores, a entrada pode ser facilitada e protegida. O gerente de entregas de uma grande rede de fast food do Rio conta que seus empregados sofrem muito menos assaltos no morro do que em outros locais. ""Quando o garoto está subindo, sempre vem alguém perguntar para quem é. Ele informa, e aí o cara dá autorização para passar", disse.
É por meio da associação de moradores de uma favela de São Paulo, em Artur Alvim (zona leste), onde há cerca de 600 famílias, que chegam as cartas do correio.
O carteiro está autorizado a entrar na rua principal e nas vielas onde não se vendem drogas. As ruas proibidas foram mostradas pela comunidade. Quando esse funcionário sai de férias, seu substituto precisa fazer estágio.
Errar o caminho e avançar para dentro de uma favela pode ser fatal em ambas as cidades.
Foi o que aconteceu com um grupo de torcedores paulistas em 1995. Perdidos, eles entraram na favela Vila do João, no Rio. Um morreu e três ficaram feridos.
Em janeiro deste ano, em São Paulo, um aposentado foi assassinado a tiros na frente da mulher, depois de entrar por engano em uma viela da favela Funerária (zona norte). Ao pedir informação a um morador, ele teria sido avisado de que o local estava sob toque de recolher imposto por traficantes no período da noite.
Esvaziar as ruas é a estratégia que traficantes das duas capitais usam em dias de guerra pelo controle do tráfico. ""O que acontece é que onde o Estado não está o crime está. E o que se vive é uma situação cíclica, com épocas de calmaria e outras de terror. Quem dita a situação é o crime", disse Daniel de Souza, coordenador da Ação da Cidadania do Rio.
Para o promotor Elvécio de Faria Barbosa, que durante três anos atuou no setor do Ministério Público de SP especializado em tráfico, a questão geográfica faz a diferença no domínio das favelas das duas cidades.
""O acesso aos morros do Rio é difícil. Em SP, a polícia tem acesso às favelas para blitze", disse. As favelas Alba, na zona sul, e Elba, na zona leste, seriam exemplos de locais fechados, onde o tráfico se assemelharia ao do Rio. (ALESSANDRO SILVA, FERNANDA DA ESCÓSSIA E GABRIELA ATHIAS)


Próximo Texto: Jovens traficantes dominam favelas de SP
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.