São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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VIOLÊNCIA

Nova geração assume comércio de drogas e amplia controle sobre moradores e visitantes de áreas da periferia

Jovens traficantes dominam favelas de SP


GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Além da queixa, já habitual, sobre o desemprego, moradores de favelas paulistanas que vivem sob o domínio do tráfico tem uma nova reclamação: o controle de muitos desses locais passou para as mãos do que eles chamam de "molecada" -jovens que tentam se consolidar como alternativa aos antigos "patrões", hoje mortos, presos ou foragidos.
A Folha conseguiu entrar anteontem em duas favelas dominadas por jovens traficantes, na zona leste de São Paulo, cujos nomes não são identificados para não colocar em risco a segurança dos intermediários da visita.
Em uma delas, os desconhecidos são impedidos de chegar ao "fundão" da favela, onde se localiza a "boca" (ponto-de-venda). Em dúvida sobre a identidade de um novo cliente, os traficantes o revistam e pedem documentos antes de vender a droga.
"Os "bons" [traficantes" não estão mais aqui", afirma um pedreiro que vive há 14 anos na favela. Para ele, os novos traficantes "são uns mortos de fome". "O pouco dinheiro que fazem, entregam para o fornecedor, que não mora aqui, e usam para fazer acerto com a polícia."
Para ele, assim como para boa parte das famílias faveladas que não têm envolvimento com o crime, a consequência mais grave dessa transição é o desrespeito com a comunidade.
Os novos chefes romperam a "tradição" de tentar manter um clima, pelo menos aparente, de não-violência durante o dia -horário em que crianças e mulheres transitam pela favela.
Mãe de três filhas e moradora há 23 anos da mesma favela, a dona-de-casa F. afirma que seu marido enfrentou os "novos donos" do lugar para impedir que seu quintal virasse uma "boca".
"Tenho medo do que ainda pode nos acontecer", diz ela. Um dos motivos que fizeram com que a família fosse respeitada foi a amizade entre o marido de F. e o ex-líder do tráfico, que está preso.
Nessa favela, onde na semana passada houve três assassinatos, as famílias dizem que os traficantes andam com carros roubados, em alta velocidade, pela única rua asfaltada, um beco de cerca de três quilômetros, impedindo as crianças menores de brincar.
Em outra favela, uma das mais antigas da região, com cerca de 2.000 moradores, os novos chefes do tráfico, além de impedir a entrada de estranhos e de revistar "suspeitos", proibiram os garotos da comunidade de usar brinco. Quem desobedece corre o risco de perder o lóbulo da orelha, já que o brinco pode ser arrancado.
"Eles são nossa benção. Por causa deles, os chefes das outras favelas não invadiram a nossa área quando os grandões foram presos", diz uma das moradores mais antigas do local.

Revista
A restrição ao direito e ir e vir é uma marca das áreas dominadas pelo tráfico. Há trechos da favela Santa Madalena, em Sapopemba, no extremo leste da cidade, em que os estranhos só entram depois de passar por uma revista rigorosa e de dizer o nome e a localização do barraco do morador que pretendem visitar.
Há um ano e meio, a Folha presenciou, durante quatro horas, a rotina de uma boca na Santa Madalena. "Aqui é mais seguro do que na sua casa", disse R., então responsável pela segurança.
Numa favela da zona norte, os traficantes permanecem no local onde as famílias são atendidas pela Pastoral da Criança. "Só estamos autorizadas a conversar sobre saúde e religião", diz uma das voluntárias da pastoral.
Encerrada a visita, um dos traficantes confere, no livro em que são registradas informações sobre as crianças, o que de fato foi escrito. "O controle é total", afirma ela.
No final do ano passado, quando os traficantes da favela declararam guerra contra os da comunidade vizinha, moradores foram proibidos de usar telefone público, para evitar "vazamento de informações". Também foi vetada a entrada de voluntários da Pastoral da Criança e de outras organizações não-governamentais.


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