São Paulo, quinta-feira, 09 de junho de 2005

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COMENTÁRIO

Daslu: um outro mundo é possível

DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando o táxi estava se aproximando, pensei que estava chegando ao Pentágono; vários seguranças vestidos de preto perguntaram se eu tinha cartão e que era preciso fazer o cadastro; corajosamente, disse que nem tinha cartão nem ia fazer cadastro, e assim mesmo passei pelos porteiros sem problemas. Eram 11h da manhã do primeiro dia aberto ao público, e já havia fila na porta.
Fiquei tão grata de terem me deixado entrar que me senti quase na obrigação de comprar alguma coisa. Lá dentro, uma moça extremamente gentil se ofereceu para me mostrar a loja (são 30 nessa função e 150 vendedoras); claro que sim, respondi, e começou o tour. Andei durante umas duas horas sem parar, passando pelas dezenas de salas com quase todas as grifes famosas do mundo. Antes de entrar, passamos pelo local onde vai ser a capela -"Eliana é muito religiosa", disse minha guia, no meio de um semijardim com passarinhos chilreando (uma máquina ligada simula o canto dos pássaros).
É interessante: a Daslu inventou uma estética própria -para o bem e para o mal-, que muitas adotaram e viraram suas fiéis adoradoras. Há quem adore Chanel e Valentino e seja louca por um sapato Manolo Blahnik, mas tem o gosto mais clássico; essas dificilmente vão achar o que comprar na Daslu. O que foi trazido para a maior loja (loja?) de modas da América do Sul é o que há de mais over, mais rico, mais bordado e mais enfeitado de todas as coleções; Hebe Camargo vai enlouquecer. Quem estiver à procura de um vestido de uma grande grife, porém sóbrio, pode até ser que encontre, mas vai demorar -isso se encontrar. A Daslu só podia ser paulista, porque paulista rica é diferente das ricas do resto do mundo.
Nas lojas de jóias há sempre um balde com champanhe e ao lado duas bandejinhas de chocolates e docinhos; e, espalhados pelos quatro andares, uns 20 bares servem café, água e Coca-Cola, em embalagem especial para a Daslu. Qualquer das opções dá direito, sempre, a uns biscoitinhos.
O acesso aos andares é por escada normal, escada rolante ou elevador. Existem áreas proibidas aos homens, que só podem pisar onde são vendidos os importados. Detalhe: tudo que tem na loja, absolutamente tudo -sofás, cortinas, objetos, lustres-, tudo está à venda. E os sofás são muitos, espalhados pelas salas, para que elas descansem, reflitam e façam as contas, para ver se vai ou não dar para comprar. Detalhe: entre guias, vendedoras e até compradoras, não vi uma só pessoa com cabelo de cachinhos: todas têm o cabelo liso, bem liso, o que deve fazer parte do estilo da casa.
O famoso helicóptero pendurado no teto foi uma feliz lembrança do que havia no antigo MoMA de Nova York, mas quem quer comprar um helicóptero, sinceramente, vai à Daslu? O conjunto da obra me parece perigosamente duvidoso, porque é a banalização do luxo, e o luxo precisa dar a impressão de ser menos acessível, mais misterioso, mais exclusivo; sem isso não há desejo, e sem desejo as coisas não têm graça.
Já na hora de ir embora lembrei de uma saia que havia visto e que eu gostaria de ter; uma saia preta, curta, com uns babadinhos. Quando a vendedora, atenciosa, me disse o preço -R$ 3.890-, cometi o erro de dizer que era muito dinheiro para mim. Ela continuou atenciosa, mas seu olhar era de um tal desprezo que me senti um verme.
Talvez, pelos parâmetros da Daslu, quem acha uma saia de quase R$ 4.000 cara é mesmo desprezível.


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