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COMENTÁRIO
Daslu: um outro mundo é possível
DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Quando o táxi estava se aproximando, pensei que estava chegando ao Pentágono; vários seguranças vestidos de preto perguntaram se eu tinha cartão e que era
preciso fazer o cadastro; corajosamente, disse que nem tinha cartão nem ia fazer cadastro, e assim
mesmo passei pelos porteiros sem
problemas. Eram 11h da manhã
do primeiro dia aberto ao público, e já havia fila na porta.
Fiquei tão grata de terem me
deixado entrar que me senti quase na obrigação de comprar alguma coisa. Lá dentro, uma moça
extremamente gentil se ofereceu
para me mostrar a loja (são 30
nessa função e 150 vendedoras);
claro que sim, respondi, e começou o tour. Andei durante umas
duas horas sem parar, passando
pelas dezenas de salas com quase
todas as grifes famosas do mundo. Antes de entrar, passamos pelo local onde vai ser a capela
-"Eliana é muito religiosa", disse minha guia, no meio de um semijardim com passarinhos chilreando (uma máquina ligada simula o canto dos pássaros).
É interessante: a Daslu inventou uma estética própria -para
o bem e para o mal-, que muitas
adotaram e viraram suas fiéis
adoradoras. Há quem adore Chanel e Valentino e seja louca por
um sapato Manolo Blahnik, mas
tem o gosto mais clássico; essas dificilmente vão achar o que comprar na Daslu. O que foi trazido
para a maior loja (loja?) de modas da América do Sul é o que há
de mais over, mais rico, mais bordado e mais enfeitado de todas as
coleções; Hebe Camargo vai
enlouquecer. Quem estiver à procura de um vestido de uma grande grife, porém sóbrio, pode até
ser que encontre, mas vai demorar -isso se encontrar. A Daslu
só podia ser paulista, porque paulista rica é diferente das ricas do
resto do mundo.
Nas lojas de jóias há sempre um
balde com champanhe e ao lado
duas bandejinhas de chocolates e
docinhos; e, espalhados pelos
quatro andares, uns 20 bares servem café, água e Coca-Cola, em
embalagem especial para a Daslu. Qualquer das opções dá direito, sempre, a uns biscoitinhos.
O acesso aos andares é por escada normal, escada rolante ou elevador. Existem áreas proibidas
aos homens, que só podem pisar
onde são vendidos os importados.
Detalhe: tudo que tem na loja, absolutamente tudo -sofás, cortinas, objetos, lustres-, tudo está à
venda. E os sofás são muitos, espalhados pelas salas, para que
elas descansem, reflitam e façam
as contas, para ver se vai ou não
dar para comprar. Detalhe: entre
guias, vendedoras e até compradoras, não vi uma só pessoa com
cabelo de cachinhos: todas têm o
cabelo liso, bem liso, o que deve
fazer parte do estilo da casa.
O famoso helicóptero pendurado no teto foi uma feliz lembrança do que havia no antigo MoMA
de Nova York, mas quem quer
comprar um helicóptero, sinceramente, vai à Daslu? O conjunto
da obra me parece perigosamente
duvidoso, porque é a banalização
do luxo, e o luxo precisa dar a impressão de ser menos acessível,
mais misterioso, mais exclusivo;
sem isso não há desejo, e sem desejo as coisas não têm graça.
Já na hora de ir embora lembrei
de uma saia que havia visto e que
eu gostaria de ter; uma saia preta,
curta, com uns babadinhos.
Quando a vendedora, atenciosa,
me disse o preço -R$ 3.890-,
cometi o erro de dizer que era
muito dinheiro para mim. Ela
continuou atenciosa, mas seu
olhar era de um tal desprezo que
me senti um verme.
Talvez, pelos parâmetros da
Daslu, quem acha uma saia de
quase R$ 4.000 cara é mesmo desprezível.
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