São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2008

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Promotoria investiga projeto que reduz trânsito de bairros

Programa autoriza bairros residenciais a estreitar as ruas para inibir tráfego

Ministério Público Estadual de São Paulo diz que o projeto privilegia áreas ricas e não resolve problema semelhante na periferia

KLEBER TOMAZ
RICARDO SANGIOVANNI

DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério Público Estadual investiga supostas irregularidades em um programa da Prefeitura de São Paulo que autoriza bairros residenciais a estreitar ruas para inibir o tráfego de veículos em locais usados como rotas de fuga por motoristas para escapar do congestionamento das vias principais.
Desenvolvido pela CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) desde o início da atual gestão, em 2005, o Programa Comunidade Protegida é uma versão do "traffic calming" (moderação de tráfego), disseminado em países europeus, onde são implementadas ações para conter o avanço de carros em áreas predominantemente residenciais.
Na versão paulistana, os bairros que obtêm aprovação da CET para implantar o programa podem estreitar as pistas das ruas com o alargamento das calçadas e instalar pisos intertravados, rotatórias, faixas de pedestres elevadas, refúgios e sinalizações no asfalto.
O programa piloto foi implementado em dezembro, na rua Pedralva, no Alto de Pinheiros, bairro nobre da capital, onde foram criados alargamentos nas calçadas, uma rotatória com floreira na entrada da rua e piso diferenciado para chamar a atenção dos motoristas. A idéia da CET é expandir o programa para 16 bairros -apenas três deles da periferia.

Inquérito
De acordo com a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, um inquérito civil apura se a CET praticou improbidade administrativa ao executar o programa. O promotor José Carlos de Freitas diz que o projeto privilegia ricos ao promover a "formação de feudos em bairros nobres".
E aponta mais falhas: informa que o projeto possui indícios de ilegalidade porque a CET não realizou audiência pública para a implantação dele nos bairros e que os moradores das áreas vizinhas nem sequer foram consultados. Outro problema, diz Freitas, será o aumento de congestionamentos em vias principais, pela dificuldade de o motorista usar rotas de fuga por conta do programa.
O promotor argumenta que o programa é elitista porque, dos 16 bairros previstos para recebê-lo, 13 estão em áreas de alto padrão. Os outros três são da periferia da zona leste. São Mateus, Vila Carmosina e Cidade Tiradentes foram escolhidos pela CET, mas ainda não foram contemplados porque, quando a própria comunidade não arca com os custos, as obras dependem de recursos federais.
Em depoimento prestado em 4 de outubro de 2007 ao Ministério Público, o engenheiro Irineu Gnecco Filho, superintendente de desenvolvimento da CET, afirmou que os três bairros "aguardam a liberação [de uma verba federal] de cerca de R$ 14 milhões" para dar início ao programa. Para o promotor, a demora significa a falta de recursos que inviabiliza o projeto em áreas pobres.
O promotor também questiona a pouca publicidade do programa nas áreas pobres. "Não sabíamos de nada, nunca fomos consultados. Não conhecia o programa [até ser procurado pela reportagem]", disse o coordenador do Centro de Associações e Sociedades Populares da Cidade Tiradentes, Dorival Gomes. "Há três meses pedimos rebaixamento de guias para facilitar o acesso de cadeirantes e uma rotatória. Ainda não fomos atendidos."
Para efeito comparativo, o City Boaçava, bairro nobre na zona oeste, irá gastar R$ 350 mil para implantar o Programa Comunidade Protegida. As obras, que modificarão um perímetro de 11 km de vias, começaram na semana passada. O dinheiro foi obtido com moradores dos 520 imóveis da área. Os casarões e mansões do lugar são avaliados entre R$ 800 mil e R$ 2 milhões.
Maria Augusta Cabral de Oliveira, secretária da SAB (Sociedade Amigos do Bairro City Boaçava), diz que o programa foi uma "idéia oferecida há três anos pelo [presidente da CET] Roberto Scaringella. Nos organizamos e conseguimos anuência de 70% dos moradores [mínimo para a implementação do projeto]. É uma região com área verde, qualidade de vida, que não pode ter trânsito intenso. Vai melhorar muito."
"A idéia é boa porque vai ajudar a evitar assaltos [dois por semana, em média, em maio, segundo a associação de moradores]", diz o comerciante Fábio Carvalho, 42, morador do bairro. Já o administrador Jorge Sampaio, 67, que trafega pelo City Boaçava, argumenta que "bloquear as ruas agride o direito do morador de outras regiões que passa por ali, em prol de uma minoria privilegiada."


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