São Paulo, sábado, 09 de agosto de 2008

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WALTER CENEVIVA

Armas do guarda da Constituição


Está na Constituição: a perda ou suspensão dos direitos políticos só se dará com a "condenação criminal transitada em julgado"
É USO ENTRE OS trabalhadores do direito dizer que o Judiciário é um poder desarmado. Acontece que o STF (Supremo Tribunal Federal) tem o relevantíssimo papel de guarda da Constituição, conforme esta define no artigo 102. As armas do guarda existem, como se viu última quarta-feira, na votação do que a Carta chama de "argüição de descumprimento de preceito fundamental". O que, afinal, o STF guardava naquela reunião histórica?
Guardava a preservação constitucional, ao debater a divergência entre os que querem excluir candidatos a cargos eletivos com o que a mídia apelidou (sem muita precisão) de "ficha suja" e os que asseguram a inconstitucionalidade dessa pretensão. Para estes, apenas quando o candidato tenha sido julgado definitivamente culpado será cabível impedir o comparecimento ao pleito.
O guarda da Constituição, pela palavra do ministro Celso de Mello, com atenção à doutrina e aos precedentes jurisprudenciais, deu ao debate formato preciso, construindo a interpretação condutora das alternativas discutidas e aprovadas por seus colegas, exceção feita aos ministros Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Estes afirmaram que a importância do exercício eletivo não se ajusta nem mesmo à simples dúvida sobre a probidade de quem concorre ao pleito. Não convenceram seus nove colegas -e foi bom que isso acontecesse. Está na Constituição: a perda ou suspensão dos direitos políticos só se dará, entre outros casos, com a "condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos" (artigo 15).
Os defensores do impedimento da candidatura antes do trânsito em julgado insistiram em que há de se dar atenção predominante ao espírito da lei e não ao sentido literal das palavras, permitindo a exclusão dos apenas processados. Não me convenci dessa tese. A liberdade da interpretação não faz do juiz um legislador, que crie alternativas não resultantes, direta ou indiretamente, da norma escrita. Voltemos às palavras constitucionais. Condenação criminal todos sabem o que é. "Transitada em julgado" é a sentença contra a qual não cabem novos recursos. Os efeitos da sentença podem ter extensão temporal diversa da condenação principal.
O voto do ministro Celso de Mello se inscreveu na história do Supre-mo Tribunal Federal como um momento de sabedoria e densidade. Satisfez a responsabilidade da Corte em todos os aspectos, desde a presunção constitucional da inocência.
Há indubitáveis elementos práticos que os meandros da política não excluem e que já foram vistos quando o obstáculo à elegibilidade excluía os submetidos a processo penal não terminado. A norma feria o direito do povo de votar nesses candidatos em situação que favorecia a simples instauração de processo penal para afastar os políticos cuja presença não convinha ao poder dominante. Decorre da lição do relator, no STF, que devemos pensar nos direitos fundamentais do candidato, mas também os do povo, ao qual efetivamente pertence o poder, no Estado democrático de Direito.
De tudo me ficou uma única preocupação: os julgamentos demoram anos e anos, quando o réu tem poder ou riqueza. Passa a ser praticamente inalcançável pelo afastamento da política. Precisamos dedicar mais atenção à brevidade dos processos.


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