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Pelo menos 10% não têm sobrenome do pai
Asterisco substitui o nome paterno em certidões de nascimento de filhos que não foram reconhecidos por seus pais
José Ingo descobriu aos 50 anos de quem era filho e fez questão de trocar os seus documentos para que eles tivessem a filiação completa
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
Os dias que antecedem o segundo domingo de agosto são
sempre difíceis para Priscila
dos Santos, 27. Até os 23 ela não
conhecia o pai. Há quatro anos,
chegou a ter um contato, mas a
relação foi esfriando sem que
ela realizasse seu maior sonho.
"Sinto falta é de não ter o nome do meu pai em meus documentos. É o que mais magoa.
Ninguém nasce de chocadeira.
Não sou filha de um asterisco,
como aparece na minha certidão de nascimento."
Ainda que não se saiba exatamente a dimensão do problema, não são poucas as crianças
que nascem no Brasil sem o direito de saber quem é seu pai.
Levantamentos realizados
em algumas cidades mostraram que em pelo menos 10%
das certidões não constavam o
registro paterno. Especialistas
estimam que, em todo o país, o
percentual varie de 15% a 25%.
No caso de Priscila, sua mãe,
Ildenaura dos Santos, 57, nunca havia se preocupado seriamente com o fato de a filha não
conhecer o pai. Professora aposentada em Pernambuco, Ildenaura começou a perceber que,
com a proximidade do Dia dos
Pais, sua filha ficava mais triste.
Até que decidiu perguntar se
gostaria de procurar o pai. A
busca não foi difícil e, num primeiro momento, tudo parecia
caminhar bem. "De repente,
começou a ficar mais frio. Até
que resolvi ligar para ele. Uma
mulher atendeu e me tratou
muito mal. Desde então, parei
de insistir", diz Priscila.
Histórias como essa levaram
a cineasta Susanna Lira a realizar um documentário sobre filhos em busca dos pais. Ainda
em produção, a obra deverá ser
exibida no próximo ano com o
título "Nada Sobre Meu Pai",
uma referência ao filme "Tudo
Sobre Minha Mãe", do espanhol Pedro Almodóvar.
Um dos depoimentos mais
emocionantes do filme é do
corretor de imóveis José Ingo.
Aos 50 anos, ele não titubeou
quando sua mãe lhe perguntou
qual presente gostaria: "Quero
o nome de meu pai". A mãe
atendeu ao pedido, e Ingo iniciou a busca, mas descobriu que
ele já estava morto. Foi, no entanto, muito bem recebido pelos irmãos, pois o pai alertara a
todos que desconfiava ter um
filho que nunca o procurara.
Ingo fez questão de trocar todos os documentos para que
constasse a filiação completa. A
própria Susanna nunca conheceu o pai. Sua mãe namorou um
equatoriano que viveu na década de 70 no Brasil clandestinamente, por causa de atividades
políticas. Ela conta que seu objetivo no filme é retratar a
questão da paternidade de forma diferente. "Quero mostrar
que nenhum tempo é demais
para reatar laços afetivos."
Esse medo de assumir responsabilidades quase afastou
Vitória de Oliveira Carvalho, 4,
de seu pai. A mãe, Patrícia Oliveira, conta que tentou fazer
com que o ex-namorado assumisse a paternidade, chegando
a ir à Justiça para exigir exame
de DNA. O reconhecimento só
aconteceu graças à interferência da atual mulher do pai. "Foi
a mulher e a irmã que o convenceram. Este Dia dos Pais, ela
passará com eles", diz Patrícia.
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