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O CASO ABRAVANEL
Rádios comunitárias abrem espaço para que ouvintes opinem sobre o caso que envolveu Silvio Santos
Sequestro mexe com imaginário popular
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A maioria dos ouvintes da rádio
Rota 99 acha que o sequestrador
da filha de Silvio Santos nada tem
de amador, é bandido mesmo.
Outra parte desconfia que o apresentador esteja envolvido de alguma forma com o sequestro. Um
grupo acha que, num país de tanta desigualdade, o gesto dos sequestradores é compreensível.
A Rota 99, de Santo André, é
uma das dezenas de rádios comunitárias da Grande São Paulo que
lançaram no ar debates e perguntas sobre o episódio que envolveu
a família de Silvio Santos.
Na rádio Guadalupe, em Osasco, mais de 400 pessoas ligaram
ao longo da quinta-feira para dar
sua opinião sobre o caso. Na tarde
deste domingo, o assunto vai ser
tema do programa "Cala-boca já
morreu", apresentado por crianças e adolescentes.
Na rádio Heliópolis, encravada
no bairro-favela do mesmo nome,
o governador Geraldo Alckmin
foi poupado por uma pane no
transmissor. O debate previsto
para o programa "Revolução
Rap" da última quarta foi transferido para amanhã. "Você achou
certo ou errado o governador ter
ido à casa do Silvio Santos?", irá
perguntar o locutor Reginaldo José Gonçalves, 24. "Se a resposta
for "achei certo", aí nós vamos perguntar: "E se fosse um pobre, você
acha que o governador iria?'"
Reginaldo, que divide o programa com Luciano e Marisangela, é
locutor voluntário e está desempregado. "Na minha opinião, o
governador não deveria ter ido.
Daqui a pouco todo sequestrador
vai pedir um governador. Também achei errado o que a filha do
Silvio disse. Ela idolatrou os sequestradores. E o cara é um profissional, enrolou toda a polícia e
colocou um cano na cabeça do
Silvio Santos", disse.
As rádios comunitárias -são
quase 10 mil aguardando concessão no Ministério das Comunicações- têm alcance aproximado
de um quilômetro, não têm fins
lucrativos e pertencem a alguma
associação. Em geral, tratam de
temas da comunidade, fazem entrevistas e tocam músicas.
O programa "Vox Populi" da
rádio Rota 99, que vai ao ar nas
noites de quarta, costuma lançar
uma pergunta a cada semana. Na
última quarta, a pergunta foi sobre o sequestro e as atitudes dos
envolvidos.
Das quase 300 pessoas que responderam, 72 disseram que o sequestrador Fernando Dutra Pinto
era um bandido profissional, nada tinha de bonzinho ou amador.
Outros 49 ouvintes desconfiavam
que o apresentador estava envolvido no caso.
"As pessoas diziam que tinha alguma coisa por trás, ficou esquisito essa história de soltarem a moça e o sequestrador voltar para a
casa do pai dela", diz Celso Zappa,
35, coordenador da rádio. "Muita
gente acha que o Silvio se envolveu nessa para se promover."
Outras 41 pessoas disseram
compreender o gesto de Fernando, por conta do desemprego e da
"falência do país". A rádio Rota 99
fica no centro de Santo André e
acredita ter 8.000 ouvintes. A
emissora só toca rock e blues.
No bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo, os 20 integrantes
do projeto "Cala-boca já morreu"
-entre 7 e 16 anos- costumam
dedicar a noite das terças para
preparar a pauta do programa
que fazem nas tardes de domingo,
na rádio Guadalupe, de Osasco.
No programa de duas horas, o
bloco dedicado ao "Notícia quente é com a gente" tratará esta semana da violência em torno do
sequestro.
"O que fez gerar aquela violência nos rapazes?", pergunta Isis
Lima Soares, 14, que está no projeto desde o seu início, seis anos
atrás. "Aí você vê a violência na
escola, o aluno que atira na professora, o professor que não olha
nos olhos do aluno."
A coordenadora do projeto é a
mãe de Isis, Gracia Lopes Lima,
que assessora a implantação de
rádios em escolas municipais.
"Uns meninos acharam o Fernando (o sequestrador) corajoso,
legal, representava o lado daqueles que estão sem emprego, com
pouco dinheiro. Mas outros disseram que ele estava se expondo e
que agora terá de pagar o pato."
A discussão de pauta vai para a
violência nas escolas. Um dos meninos, de 12 anos, diz que em sua
escola tem aluno andando armado. Contam que conseguem o revólver emprestado dos traficantes
da rua, diz o menino.
"A tendência é que se coloque o
rico de um lado e o povo do outro", diz Gracia. Pós-graduanda
na Escola de Comunicações e Artes da USP, ela diz que notou esses
sentimentos ainda mais intensos
entre os universitários. "Alguns
diziam que, se Fernando eliminasse o Silvio Santos, estaria eliminando o monopólio da comunicação."
A mesma rádio Guadalupe, de
Osasco, pediu aos ouvintes na
quinta que comentassem o episódio do sequestro. "Foram mais de
400 telefonemas", conta Raul José
Seixas, 43, coordenador da rádio e
cujo nome artístico é Raul Santos.
"Estranharam a história dos policiais, a reação da filha do Silvio,
diziam que em lugar de levantar a
bola dos sequestradores ela deveria levantar o muro da casa dela.
Nessa história, para a maioria,
ninguém é muito bandido, nem
muito herói."
O locutor Tony Ramos, 40, que
faz programas religiosos e sertanejos, diz que os ouvintes desconfiaram da "alegria da moça". "Era
como se estivesse voltando de um
piquenique."
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