São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2001

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O CASO ABRAVANEL

Rádios comunitárias abrem espaço para que ouvintes opinem sobre o caso que envolveu Silvio Santos

Sequestro mexe com imaginário popular

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A maioria dos ouvintes da rádio Rota 99 acha que o sequestrador da filha de Silvio Santos nada tem de amador, é bandido mesmo. Outra parte desconfia que o apresentador esteja envolvido de alguma forma com o sequestro. Um grupo acha que, num país de tanta desigualdade, o gesto dos sequestradores é compreensível.
A Rota 99, de Santo André, é uma das dezenas de rádios comunitárias da Grande São Paulo que lançaram no ar debates e perguntas sobre o episódio que envolveu a família de Silvio Santos.
Na rádio Guadalupe, em Osasco, mais de 400 pessoas ligaram ao longo da quinta-feira para dar sua opinião sobre o caso. Na tarde deste domingo, o assunto vai ser tema do programa "Cala-boca já morreu", apresentado por crianças e adolescentes.
Na rádio Heliópolis, encravada no bairro-favela do mesmo nome, o governador Geraldo Alckmin foi poupado por uma pane no transmissor. O debate previsto para o programa "Revolução Rap" da última quarta foi transferido para amanhã. "Você achou certo ou errado o governador ter ido à casa do Silvio Santos?", irá perguntar o locutor Reginaldo José Gonçalves, 24. "Se a resposta for "achei certo", aí nós vamos perguntar: "E se fosse um pobre, você acha que o governador iria?'"
Reginaldo, que divide o programa com Luciano e Marisangela, é locutor voluntário e está desempregado. "Na minha opinião, o governador não deveria ter ido. Daqui a pouco todo sequestrador vai pedir um governador. Também achei errado o que a filha do Silvio disse. Ela idolatrou os sequestradores. E o cara é um profissional, enrolou toda a polícia e colocou um cano na cabeça do Silvio Santos", disse.
As rádios comunitárias -são quase 10 mil aguardando concessão no Ministério das Comunicações- têm alcance aproximado de um quilômetro, não têm fins lucrativos e pertencem a alguma associação. Em geral, tratam de temas da comunidade, fazem entrevistas e tocam músicas.
O programa "Vox Populi" da rádio Rota 99, que vai ao ar nas noites de quarta, costuma lançar uma pergunta a cada semana. Na última quarta, a pergunta foi sobre o sequestro e as atitudes dos envolvidos.
Das quase 300 pessoas que responderam, 72 disseram que o sequestrador Fernando Dutra Pinto era um bandido profissional, nada tinha de bonzinho ou amador. Outros 49 ouvintes desconfiavam que o apresentador estava envolvido no caso.
"As pessoas diziam que tinha alguma coisa por trás, ficou esquisito essa história de soltarem a moça e o sequestrador voltar para a casa do pai dela", diz Celso Zappa, 35, coordenador da rádio. "Muita gente acha que o Silvio se envolveu nessa para se promover."
Outras 41 pessoas disseram compreender o gesto de Fernando, por conta do desemprego e da "falência do país". A rádio Rota 99 fica no centro de Santo André e acredita ter 8.000 ouvintes. A emissora só toca rock e blues.
No bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo, os 20 integrantes do projeto "Cala-boca já morreu" -entre 7 e 16 anos- costumam dedicar a noite das terças para preparar a pauta do programa que fazem nas tardes de domingo, na rádio Guadalupe, de Osasco. No programa de duas horas, o bloco dedicado ao "Notícia quente é com a gente" tratará esta semana da violência em torno do sequestro.
"O que fez gerar aquela violência nos rapazes?", pergunta Isis Lima Soares, 14, que está no projeto desde o seu início, seis anos atrás. "Aí você vê a violência na escola, o aluno que atira na professora, o professor que não olha nos olhos do aluno."
A coordenadora do projeto é a mãe de Isis, Gracia Lopes Lima, que assessora a implantação de rádios em escolas municipais. "Uns meninos acharam o Fernando (o sequestrador) corajoso, legal, representava o lado daqueles que estão sem emprego, com pouco dinheiro. Mas outros disseram que ele estava se expondo e que agora terá de pagar o pato."
A discussão de pauta vai para a violência nas escolas. Um dos meninos, de 12 anos, diz que em sua escola tem aluno andando armado. Contam que conseguem o revólver emprestado dos traficantes da rua, diz o menino.
"A tendência é que se coloque o rico de um lado e o povo do outro", diz Gracia. Pós-graduanda na Escola de Comunicações e Artes da USP, ela diz que notou esses sentimentos ainda mais intensos entre os universitários. "Alguns diziam que, se Fernando eliminasse o Silvio Santos, estaria eliminando o monopólio da comunicação."
A mesma rádio Guadalupe, de Osasco, pediu aos ouvintes na quinta que comentassem o episódio do sequestro. "Foram mais de 400 telefonemas", conta Raul José Seixas, 43, coordenador da rádio e cujo nome artístico é Raul Santos. "Estranharam a história dos policiais, a reação da filha do Silvio, diziam que em lugar de levantar a bola dos sequestradores ela deveria levantar o muro da casa dela. Nessa história, para a maioria, ninguém é muito bandido, nem muito herói."
O locutor Tony Ramos, 40, que faz programas religiosos e sertanejos, diz que os ouvintes desconfiaram da "alegria da moça". "Era como se estivesse voltando de um piquenique."



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