São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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Programa do remédio fracionado fracassa

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
Linha de produção de remédios fracionados na cidade de Itapira, interior de São Paulo


Quase dois anos após o lançamento do projeto, apenas 90 medicamentos, de um total de 12 mil, têm registro aprovado

Comércio varejista diz que não há procura; indústria alega falta de sistema de vigilância sanitária que evite riscos à população

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

A política nacional de fracionamento de remédios do governo federal, lançada há quase dois anos, não saiu do papel. Mesmo após a criação de regras que flexibilizaram as exigências sanitárias, as principais redes de farmácias e drogarias do país não têm os produtos, e os poucos laboratórios que se dispuseram a fracioná-los estão com estoques encalhados.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem registrados cerca de 12 mil produtos, mas apenas 90 deles obtiveram aprovação para o fracionamento -apesar disso, muitos não estão sendo fabricados.
O comércio varejista alega que não há procura e que enfrenta sérios problemas operacionais para implantar a medida. Um deles é o fato de o remédio fracionado não ter código de barras -que identifica o produto, o fabricante, o país e a concentração. Sem o código, não seria possível fazer a leitura ótica na caixa registradora.
Para a indústria farmacêutica, que critica a forma como a política foi lançada, ainda não há mercado para os fracionados no país. Também alega que não existe um sistema de vigilância sanitária que garanta o fracionamento sem riscos à população. Apenas oito laboratórios -de um total de 267 que controlam 98% do mercado no país- aderiram à política.
"Inventaram que no Brasil tem que ter fracionamento. No mundo inteiro, o fracionamento não foi inventado por vontade de alguém. Veio das relações normais de mercado", diz Ciro Mortella, presidente da Febrafarma (Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica).
Na sua opinião, os laboratórios não aderiram à política porque não existe demanda. "Vamos produzir lotes para deixar parado? O remédio tem prazo de validade, não é eterno. Se as farmácias fizerem pedido, a indústria vai produzir."
Outro argumento da indústria e da Abrafarma (entidade que representa as farmácias e as drogarias) é com a possibilidade de falsificações e de erro humano na manipulação das drogas. Além da falta de código de barra, o fracionado não tem a tinta reativa ("raspadinha") que vem hoje nas caixinhas -medida que previne fraudes.
"Temos hoje no Brasil um mercado varejista desorganizado, descontrolado e sem fiscalização. Qualquer pessoa entra em uma farmácia e compra o remédio sem receita médica. Não custa alguém fracionar um medicamento errado ou nem olhar que ele está vencido", diz Vera Valente, diretora-executiva da Pró Genéricos (Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos).

Comparação
Para Valente e Mortella, a situação brasileira se difere da dos EUA, onde o fracionamento vigora há mais de 20 anos. "Lá você não compra um comprimido sem receita médica. Você deixa a receita na farmácia, o farmacêutico prepara e entrega o medicamento de acordo com a prescrição médica. Nenhum comprimido a mais ou a menos", diz Mortella.
Em maio último, numa tentativa de ver o fracionamento decolar, o governo permitiu que a venda ocorresse também nas drogarias -que não tinham autorização para manipular medicamentos e preparar fórmulas, mas só para vender o remédio pronto. Também foi dispensada a licença especial da vigilância sanitária, que antes era obtida mediante inspeção.
Segundo Sergio Mena Barreto, presidente-executivo da Abrafarma, o fracionamento também inviabiliza a troca de mercadorias. Hoje, seis milhões de caixinhas, o equivalente a 6% das vendas, voltam para as farmácias porque o cliente desiste da compra. "Imagine se vendo nove cápsulas avulsas. Aí o médico troca de remédio e o cliente quer devolvê-las. Você aceitaria recebê-los sem saber como ficaram armazenados?"
Para Barreto, seriam necessários, no mínimo, cinco anos para o setor se adequar. "Quem vê de fora pensa que é má vontade, mas não é. Os sistemas não foram feitos para isso."

NA INTERNET - Leia a relação de medicamentos fracionados:
http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/listas/fracionados.pdf


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