São Paulo, segunda-feira, 09 de outubro de 2000

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SÃO PAULO
Prefeitura vai usar o mesmo caminhão para coletar material reciclável e não reciclável; especialistas condenam
Pitta põe a mão no lixo para criar factóide

Moacyr Lopes Júnior. - 07.fev.00/ Folha Imagem
Funcionário da empresa UBC separa o lixo em São Paulo; programa será testado por 45 dias na Vila Prudente a partir do final do mês


ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

O prefeito Celso Pitta (PTN) vai lançar um programa de reciclagem do lixo, dois meses e meio antes do fim do mandato, que prevê a mistura de materiais orgânicos e inorgânicos, secos e molhados, dentro dos caminhões compactadores responsáveis pela coleta na cidade de São Paulo.
Especialistas consultados pela Folha foram unânimes em considerar a medida, a ser publicada nesta semana no "Diário Oficial", inócua, mais uma peça de marketing de fim de governo.
A idéia é que as pessoas coloquem vidro, alumínio e papel, entre outros produtos recicláveis, apenas em sacos de lixo verdes, que passarão a ser vendidos em supermercados de São Paulo.
A coleta desse material será feita pelos mesmos veículos compactadores que já recolhem os compostos orgânicos. Ou seja: enquanto a população vai separar aquilo que pode ser reaproveitado, a prefeitura vai juntar tudo em um mesmo compartimento. A seleção será feita, conforme a cor da embalagem, apenas no local em que esse lixo é despejado.
Na semana passada, o secretário de Governo, Arnaldo Faria de Sá, disse à Folha que a prefeitura pretendia "manter todos os factóides" nos meses que restam da atual gestão. Factóide são iniciativas de administração pública com o propósito deliberado de gerar impacto na opinião pública na busca de ampliar popularidade.
"Essa medida é inócua e propagandista. A seletividade não se resolve dessa forma isolada, em final de gestão", afirma Pedro Jacobi, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo.
"Quando o lixo vai para o caminhão, ele é compactado. Vai misturar tudo. Não há condições técnicas", diz Sabetai Calderoni, economista e pesquisador do Núcleo de Políticas e Estratégias da USP.
"Misturar tudo para separar depois é irracional. Além disso, contradiz o conceito da reciclagem. Coleta seletiva é coletar seletivamente e não misturadamente", afirma Elisabete Grimberg, diretora do Instituto Polis, ONG que estuda problemas urbanos.
O secretário de Serviços e Obras, João Otaviano Machado Neto, admite que "não é um modelo perfeito". "Mas é melhor do que como é hoje. Vão criticar dizendo que a população separa e a prefeitura mistura. Foi a forma encontrada para incrementar a coleta seletiva de lixo sem acrescentar custos", diz Machado Neto, que assumiu o cargo em dezembro do ano passado.
Segundo ele, antes da definição do projeto, houve uma análise do Limpurb (Departamento de Limpeza Urbana) indicando que 90% dos materiais transportados pelos caminhões de lixo chegam inteiros aos depósitos. "Apenas em 10% dos casos os sacos rasgam dentro do caminhão", afirma.
Os caminhões compactadores utilizados na cidade costumam reduzir de duas a três vezes o volume da massa de lixo coletada.
Antes de ser expandida para toda a cidade, a proposta será testada por no mínimo 45 dias na Vila Prudente (zona sudeste), a partir do final de outubro. Nesse período, os primeiros sacos de lixo verdes serão distribuídos no bairro.
Atualmente, São Paulo produz 15 mil toneladas de lixo por dia. Apenas 1% passa por reciclagem. A estimativa da prefeitura é que, "se o projeto der certo", esse índice aumente, em um primeiro momento, para 2%. "Depois vai depender da participação da população", diz Machado Neto.
Na gestão Pitta, de acordo com o próprio secretário, as realizações da prefeitura em trabalhos de reciclagem do lixo se limitaram à distribuição de cartilhas em escolas e creches e na manutenção da estrutura que já existia (leia texto nesta pág.)

Catadores
Para Sabetai Calderoni, o novo sistema só poderá ter efeito de "forma indireta". "Os sacos verdes podem facilitar o trabalho dos catadores, que encontrarão nas calçadas os produtos recicláveis separados dos demais. Se alguma coisa der certa, não será pela idéia original, mas de uma forma indireta", afirma Calderoni.
Elisabete Grimberg avalia, porém, que o projeto também exclui esses catadores. "A operação de triagem tira parte do mercado das pessoas que costumam pedir esses materiais recicláveis nas portas das casas", diz.



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