São Paulo, sábado, 09 de novembro de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Sua Excelência, o presidente Lula

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Conheço Lala, que é Laura, com a variável Lalu, para Laura Lucia. Lembro-me de Lela, mas não recordo por que razão ganhou esse apelido, pois se chama Letícia. Lila, como evidente, é a viúva do saudoso Mario Covas, mas há muitos anos tivemos a querida amiga dona Lila Nunes, no Rio de Janeiro. Conheço mais de uma Lola, apelido comum entre as espanholas. Lula é uma senhora da sociedade paulistana, que já era chamada assim antes de o presidente eleito nascer. É também um artilheiro que o Palmeiras teve há meio século. Lula e Lu têm a vantagem de servir para homens e mulheres.
O futuro chefe do Executivo, o homem apelidado de Lula, é a síntese unipessoal do Brasil. Assim se apresenta aqui e se apresentará no exterior, quando se empossar, para representar nosso país. Apelidado? Não! Lula é prenome acrescido por sentença ao nome do eleito presidente da República, que, depois, o passou a seus filhos. A história é conhecida, tanto que a referi em edição antiga de meu livro "Lei dos Registros Públicos Comentada". No breve período em que foi deputado federal, Luís Inácio da Silva requereu ao juiz Ruy Coppola, da Vara de São Bernardo do Campo, competente para assuntos do registro civil, que fosse acrescido ao seu prenome o apelido pelo qual era conhecido de suas lutas históricas como líder metalúrgico.
O pedido foi processado regularmente e deferido, satisfeita a exigência de que o Ministério Público se manifestasse a respeito do assunto. Foi averbado nos registros do requerente para conhecimento geral. Naquele tempo, o artigo 58 da Lei dos Registros Públicos não tinha a redação de hoje. Em algumas decisões ainda predominava a idéia da imutabilidade do prenome. O juiz Ruy Coppola decidiu bem, transformando o que era apelido em nome legal, entre o prenome e o sobrenome. Assim, se alguém quiser dirigir-se ao presidente eleito, observará o tratamento protocolar de Excelentíssimo Senhor Presidente para chamá-lo de Luiz Inácio Lula da Silva ou só Lula da Silva, sem nenhum desrespeito.
Lula é o primeiro presidente nessa condição. Muitos chefes do Executivo, desde a proclamação da República, tinham apelidos, alguns de família e outros postos pelos inimigos, mas nenhum com os mesmos característicos do agora eleito. É destino dos homens chamados Luís terem apelidos com variáveis das duas primeiras letras, ou só elas. Tenho um amigo, advogado dos melhores, que, para nós, é apenas Lu, mesmo apelido pelo qual é conhecida a esposa de Geraldo Alckmin, aliás, Geraldinho para os que o conhecem de perto. Luiz Gonzaga, o grande compositor, cantor e músico, era Lua. Ter com alguém suficiente intimidade para chamá-lo pelo apelido permite aproximação que deve dar ao novo presidente uma qualificação que os outros não tiveram: coloca-se mais próximo do povo que o elegeu, pelo qual prometeu trabalhar muito e cujas esperanças prometeu não trair. O tratamento protocolar, porém, é inafastável. Foi esquecido pelos fotógrafos nas primeiras aparições do eleito, aos gritos de "Lula", "Lula!". Dos fotógrafos se admite tudo. Quando o rei Jorge 6º, da Inglaterra, chegou de navio aos Estados Unidos pela primeira vez, os fotógrafos pediram, aos berros, que o soberano esperasse para uma foto a mais antes de se retirar do porto: "One more, mister king!" (Mais uma, "seu" Rei!). O rei, enfarpeladíssimo, de casaca e cartola, sorriu e esperou.


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