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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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"Após atentados, a vida virou uma paranóia"

Flávio Florido/Folha Imagem
O policial Emílio Salgueiro (nome fictício), que trabalha na Baixada Santista e evita usar farda


FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO VICENTE

Policiais militares da Baixada Santista, onde desde domingo já ocorreram pelo menos sete atentados, passaram a conviver com o medo de novos ataques e de que os familiares também se transformem em alvo, segundo relato de dois deles à Agência Folha.
Arlindo Dias e Emílio Salgueiro (nomes fictícios) aceitaram gravar entrevista anteontem, em São Vicente, sob a condição de não terem revelados sequer a idade, a graduação ou a cidade do litoral onde trabalham.
"A vida virou uma paranóia. Você não sabe quem é quem", disse Salgueiro. "É um medo misturado com a necessidade de segurança redobrada. Você perde o sono, é um desgaste psicológico imenso", afirmou Dias.
Após os atentados, os dois afirmam que buscam evitar ao máximo serem identificados, fora do horário de serviço, como policiais militares. Mesmo de folga, andam permanentemente armados.
"Hoje, o policial procura ter quatro olhos e manter distância da pessoa que não está fardada. Você acha que de todos os lugares pode aparecer alguém, que o inimigo está sempre se aproximando", declarou Dias.
Salgueiro afirma que sai de casa para trabalhar à paisana, que é pressionado pelos familiares a telefonar frequentemente para casa e que a mãe não permite que a farda apareça no varal. "Meu fardamento é lavado e escondido, mesmo com os vizinhos sabendo que sou policial". Como forma de precaução, Dias diz observar pela janela a movimentação na rua antes de sair para o trabalho.
No ônibus, em nenhuma hipótese eles admitem subir fardados, ainda que, assim, estejam isentos de pagar a passagem. "A maioria está pagando a passagem. É um gasto a mais para ir trabalhar, mas pelo menos a segurança está preservada", declarou Salgueiro.
Dias lamenta não participar das reuniões na escola do filho, a quem orienta para nunca revelar aos colegas que tem um pai policial militar. "Minha mulher está sendo mãe e pai em algumas questões. Não sei se no futuro, adulto, meu filho não vai me perguntar se não fui omisso."
A mulher também evita revelar a profissão do marido. "Já disseram para ela numa academia que ela frequenta: "pô, nunca te vi com homem nenhum. Você é casada?" Ela disse: "sou", e mais nada."
Até a rotina profissional mudou. Ambos apontam a escassez de pistolas e de coletes à prova de balas. "A gente fica numa situação de inferioridade e conta muito com a sorte", avalia Salgueiro.
A abordagem a alguém na rua se tornou muito mais cuidadosa, segundo ele. "Vamos dizer que aquele negócio de polícia comunitária que tanto divulgaram está um pouco de lado. Não tem mais "bom dia", "boa noite". Encostou alguém perto, o policial já está apreensivo, achando que alguma coisa vai acontecer."
Dias afirma que chega a recorrer ao telefone público se estiver à paisana e eventualmente presenciar algum delito. No passado, disse, costumava intervir, mesmo de folga. "Já fiz muito isso. Mas hoje é o seguinte: ligo para o 190. Procuro agir só se for um caso muito extremo. É por coisas como essas que a criminalidade cresceu."



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