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"É como se eu ajudasse a mim mesmo"
DA REPORTAGEM LOCAL
Ele foi estudante de direito,
bancário, atendente de metrô e
dono de van. Há cerca de quatro
anos, Péricles Pereira, 44, virou
morador de rua. Durante três
anos evitou albergues e dormia
nas calçadas porque não queria a
rigidez de horário. "Atrapalhava
no meu trabalho de catar latinhas". Ele chegou a trocar a Vila
Buarque, onde era muito abordado por assistentes sociais da prefeitura, pela Consolação, região
na qual não era importunado.
Após passar por dois albergues,
ele começou a trabalhar na abordagem de moradores de rua no
centro de São Paulo. Sua função é
convencê-los a ir para albergues.
Há duas semanas, Pereira começou a se emancipar e está vivendo numa moradia provisória
da prefeitura. No futuro, quer ter
emprego, alugar um quarto e fazer filosofia ou sociologia. Como a
maioria das pessoas que viveram
em situação de rua, não gosta de
falar da família e diz só ter carinho
pela filha, de 19 anos. Por causa
dela, não quis ser fotografado.
Folha - O que leva as pessoas a
morar nas ruas?
Péricles Pereira - É uma opção.
Sabe quando você desiste das coisas? Acha que não tem mais como
se recuperar na vida?
Folha - E no seu caso?
Péricles Pereira - Solidão. Sempre fui de sumir dos lugares.
Folha - Você fala com sua família?
Pereira - Minha família é minha
filha, de 19 anos, mas não falo com
ela há um ano. Digamos que é como se não tivesse pais e irmãos.
Folha - Como você se sente abordando moradores de rua?
Pereira - Serve como espelho, é
como se eu tivesse atendendo a
mim mesmo. É bom para a auto-estima. Você vê que é importante.
Folha - Como você faz para convencê-los a ir para os albergues?
Pereira - Não adianta enfeitar o
pavão, dizer que o lugar é melhor
do que realmente é. Procuro conversar e escutá-los o máximo que
posso. Quando a pessoa percebe
que você é do meio delas, contam
os problemas. Não sou eu quem
convence. Elas próprias se convencem, eu sou apenas um vetor.
Folha - A maioria aceita ir?
Pereira - Quem for logo de cara é
porque já estava com vontade de
ir. É preciso tempo para ganharem confiança. Todos os dias passo pelos mesmos lugares para
conversar com as pessoas e estabelecer vínculo.
Folha - Não dá vontade de voltar?
Pereira - Ao contrário, você cria
afinidade e se preocupa com as
pessoas. Tentamos fazer algo por
elas, temos que dar o exemplo.
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