São Paulo, sexta-feira, 09 de dezembro de 2005

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"É como se eu ajudasse a mim mesmo"

DA REPORTAGEM LOCAL

Ele foi estudante de direito, bancário, atendente de metrô e dono de van. Há cerca de quatro anos, Péricles Pereira, 44, virou morador de rua. Durante três anos evitou albergues e dormia nas calçadas porque não queria a rigidez de horário. "Atrapalhava no meu trabalho de catar latinhas". Ele chegou a trocar a Vila Buarque, onde era muito abordado por assistentes sociais da prefeitura, pela Consolação, região na qual não era importunado.
Após passar por dois albergues, ele começou a trabalhar na abordagem de moradores de rua no centro de São Paulo. Sua função é convencê-los a ir para albergues.
Há duas semanas, Pereira começou a se emancipar e está vivendo numa moradia provisória da prefeitura. No futuro, quer ter emprego, alugar um quarto e fazer filosofia ou sociologia. Como a maioria das pessoas que viveram em situação de rua, não gosta de falar da família e diz só ter carinho pela filha, de 19 anos. Por causa dela, não quis ser fotografado.

 

Folha - O que leva as pessoas a morar nas ruas?
Péricles Pereira -
É uma opção. Sabe quando você desiste das coisas? Acha que não tem mais como se recuperar na vida?

Folha - E no seu caso?
Péricles Pereira -
Solidão. Sempre fui de sumir dos lugares.

Folha - Você fala com sua família?
Pereira -
Minha família é minha filha, de 19 anos, mas não falo com ela há um ano. Digamos que é como se não tivesse pais e irmãos.

Folha - Como você se sente abordando moradores de rua?
Pereira -
Serve como espelho, é como se eu tivesse atendendo a mim mesmo. É bom para a auto-estima. Você vê que é importante.

Folha - Como você faz para convencê-los a ir para os albergues?
Pereira -
Não adianta enfeitar o pavão, dizer que o lugar é melhor do que realmente é. Procuro conversar e escutá-los o máximo que posso. Quando a pessoa percebe que você é do meio delas, contam os problemas. Não sou eu quem convence. Elas próprias se convencem, eu sou apenas um vetor.

Folha - A maioria aceita ir?
Pereira -
Quem for logo de cara é porque já estava com vontade de ir. É preciso tempo para ganharem confiança. Todos os dias passo pelos mesmos lugares para conversar com as pessoas e estabelecer vínculo.

Folha - Não dá vontade de voltar?
Pereira -
Ao contrário, você cria afinidade e se preocupa com as pessoas. Tentamos fazer algo por elas, temos que dar o exemplo.


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