São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007 |
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GILBERTO DIMENSTEIN Os novos velhos
RAIMUNDA NONATA DA SILVA
MACIEL tornou-se notícia, na
semana passada, por ser a
vestibulanda mais velha a entrar numa faculdade brasileira. Com
81 anos, ela ingressou num curso de
serviço social no Pará -aliás, na
mesma universidade em que estuda
uma de suas netas. Quando lhe perguntaram por que tinha escolhido
aquele curso, brincou: "É para cuidar dos velhos".
Segundo o IBGE, a expectativa de vida do brasileiro já está em 72,3 anos,
com um ganho de quatro meses e 26
dias entre 2005 e 2006; no Distrito
Federal, essa taxa sobe para 75,1
anos. Em 1960, a expectativa de vida
era de 54,6 anos. Com as melhorias
nos tratamentos médicos e na prevenção de doenças, a expectativa de
vida vai subir por muito tempo.
Na coluna passada, apresentei um
sinal da redefinição dos limites da
velhice, baseado em pesquisas do
Ministério do Trabalho: o emprego
cresce com mais rapidez entre profissionais acima dos 50 anos. Acima
dos 65, o crescimento é três vezes
maior que entre os de 18 a 24 anos.
O envelhecimento da população é apresentado como um problema porque, entre outras coisas, aumenta os gastos com saúde e previdência, além de tomar o emprego dos mais jovens. Mas a pergunta é a seguinte: quantos indivíduos como Niemeyer, com a sua experiência, a sociedade vai ter por mais tempo?
Naturalmente, as mudanças demográficas trazem novos desafios, entre os quais o da bomba previdenciária. Os desafios, entretanto, não se limitam apenas aos mais velhos. Está em movimento também o limite da adolescência, que vem se estendendo até os 30 anos. Basta ver o número de pessoas que, nessa idade, ainda vivem com os pais. Isso faz com que, aos poucos, tenda a diminuir o número de mães tão jovens, como revelou o IBGE, na quinta-feira: um quinto dos partos é feito em mulheres com até 20 anos. O que antes era algo comum agora é visto como uma anomalia social a ser enfrentada urgentemente, afinal uma mãe precoce terá dificuldades crescentes de entrar no mercado de trabalho.
O maior desafio da velhice não são os gastos com saúde ou previdência. É o preconceito daqueles que vêem os idosos como incapazes de se reciclar e, portanto, fadados à inutilidade. Mas, com novos tratamentos médicos e recursos tecnológicos, o conceito de autonomia também está mudando. Confina-se o idoso à situação de que ele é inútil por não ser produtivo, logo seu papel é esperar a morte. E, com isso, perde-se o mais importante elemento da manutenção da juventude: a curiosidade.
Jovem, afinal, é quem se mantém curioso -e velho é aquele que acha que não tem mais nada para aprender. Por isso, chamar Raimunda Nonata de inútil é uma óbvia asneira. Ela é um entre tantos ícones dos novos velhos.
PS - O preconceito contra o idoso é nutrido especialmente nas escolas, onde, em essência, se ensina que a utilidade do conhecimento está ligada a ter uma profissão. Somos alguém porque, em poucas palavras, temos trabalho e somos úteis, o que é uma óbvia redução da condição humana. Basta ver o debate em torno de mais uma bateria de indicadores educacionais internacionais (Pisa), divulgados na semana passada, na qual nos saímos muito mal. A queixa básica é que não seremos um país competitivo com trabalhadores com baixa escolaridade. Isso, a rigor, não está errado. Mas também é um problema tão grande quanto o profissional não tirar proveito da diversidade humana, não desfrutar a chance de ser protagonista na vida ou até mesmo de apreciar obras de gente como Mozart, Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Monet ou Portinari. Como diria o sábio Rubem Alves, com seus 70 anos, uma vassoura é extremamente útil, mas isso não a faz mais importante do que a nona sinfonia de Beethoven, que, a rigor, não tem nenhuma utilidade.
gdimen@uol.com.br
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