São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 2007

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WALTER CENEVIVA

Direito (?) ao clima


O risco do aquecimento parece real. São Paulo é a ex-terra da garoa, porque garoa, aqui, é coisa do passado


DESDE A reunião da ONU sobre problemas do aquecimento global, retomou-se a discussão sobre se há ou não direito ao clima. Em termos nacionais há, por extensão do artigo 225 da Constituição, ao assegurar a todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Clima e meio ambiente não são a mesma coisa, mas o aquecimento global ofenderá um e outro, se as previsões científicas se confirmarem.
Sempre pensei que a verdade científica é absoluta até que outra a substitua, como se viu com Einstein e sua teoria da relatividade, ao afastar velhas verdades inatacáveis, e com Copérnico, ao demonstrar que a Terra não era o centro do sistema solar. O perigo do aquecimento, porém, parece real. São Paulo é a ex-terra da garoa, pois aqui garoa é coisa do passado. Há a constatação física, dérmica, de que o clima mudou.
As grandes cidades brasileiras reúnem dezenas de milhões de habitantes, mas são microcosmos infinitesimais na imensidão planetária, assim como nosso planeta é, no Universo, menos que um grão de areia perdido no espaço.
O aquecimento é global, provocado pelos seres humanos ao mudarem, em cem anos, a vida urbana -na comunicação instantânea, na eletricidade para todos, nas derrubadas das florestas, alterando o clima. Por tudo isso, mas principalmente pelo transporte individual.
Deste decorre a verdade constrangedora de que não temos direito integral à proteção climática, porque contribuímos para a quebra da qualidade da vida. A contribuição para a quebra é variável em cada nação soberana. Serve de exemplo óbvio o ato do presidente dos Estados Unidos rejeitando o protocolo de Kyoto que grande parte dos países (o Brasil incluído) apoiou.
Aparentemente, os Estados Unidos são os grandes poluidores da atmosfera, a deles e a nossa, mas não há condições de lhes impor a mudança de linha. No pólo oposto, o Brasil tem sido acusado de descurar da proteção da floresta amazônica, que seria o pulmão do mundo.
A acusação é mais falsa do que moeda de trinta centavos, ao menos por dois motivos. O desmatamento também é feito por exploradores estrangeiros. Nações ricas que hoje pretendem impor-nos a adoção de níveis mais rígidos de padrão ambiental são as mesmas que, durante séculos, destruíram seu meio ambiente para obterem poder, riqueza, domínio político e guerreiro. Não é lícito que agora queiram criar problemas para nosso desenvolvimento, sob a desculpa do clima.
Afinal, há ou não direito ao clima? Há, em termos -expressão que, em "juridiquês" tanto pode significar sim ou não-, mas é dever de todos, países, estados, cidades e indivíduos darem sua colaboração para evitar o degelo dos pólos, o extermínio de animais e da vegetação, a poluição dos rios e mares, a destruição costeira que atingirá a todos, se os cientistas tiverem razão.
Acontece, porém, que previsões de desastres para daqui a cem anos esbarram num viés de nosso egoísmo atual: não nos atingirá. Além disso, é possível que se encontrem novas soluções climáticas, hoje ainda nem pensadas. Para o balanço entre otimistas e pessimistas, a farmácia do direito não tem, em suas prateleiras, nem mesmo a amostra de um bom remédio.


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