São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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Após 47 anos, dona Jô deixa direção da Apae

Mãe de Zeca, portador de síndrome de Down que morreu aos 52 anos, ela ajudou a criar a entidade paulista há quase 50 anos

O filho caçula assume seu lugar e quer obter recursos para instituto de pesquisas que melhorem a vida dos deficientes intelectuais

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Após 47 anos na direção da Apae de São Paulo, Jolinda Garcia dos Santos Clemente, a dona Jô, deixa o cargo para passá-lo ao filho caçula, o publicitário Cássio Clemente, 49, nome de peso da propaganda brasileira. Aos 81 anos, dona Jô quer se dedicar exclusivamente aos cuidados da saúde do marido, o médico Antonio Clemente Filho, 87, com quem é casada há mais de 60 anos. Ele sofre de perda de memória.
"Meu marido, que sempre foi meu apoio, meu braço direito, está senil, tem dificuldades de memória. Está na hora de eu me dedicar a ele. Há muita cumplicidade entre nós. Ele nem precisa falar e eu já sei o que ele quer", diz ela, com os olhos marejados.
Mãe de quatro filhos, entre eles Zeca, portador da síndrome de Down, dona Jô conseguiu em quase meio século de atividade mobilizar a sociedade paulista em prol da inclusão dos deficientes intelectuais e mostrar que o isolamento imposto a eles era equivocado. Zeca viveu de forma independente, morou sozinho e morreu, em 2001, aos 52 anos.
Graças à primeira "feira da bondade" que organizou, em 1966, ela obteve recursos para construir a sede da Apae, em um terreno cedido pela prefeitura. De lá para cá, diz ter perdido as contas de quantas vezes já bateu na porta dos maiores empresários do país, pedindo doações à entidade.
Em suas festas beneficentes, essa marqueteira social já conseguiu reunir no mesmo local os banqueiros Olavo Setubal (Itaú), Joseph Safra e Lázaro Brandão (Bradesco). "Nem a Febraban [Federação Brasileira de Bancos] consegue isso", brinca o filho Cássio, que agora ocupa a diretoria de eventos e promoções da instituição, cargo que era da mãe.
Dona Jô diz que vai ajudar o filho na transição. "Estou pronta para levantar e ir com ele conversar com um banqueiro, enfim, ajudar no que precisar. Agora serão novas idéias. Eu tenho que ficar quieta no meu canto para que ele crie a maneira dele de trabalhar."
Para Cássio, a mãe será "insubstituível" na Apae. "O que eu vou fazer é tentar dar continuidade ao que ela estava fazendo mais do que bem." Segundo ele, a Apae, presidida pelo promotor de Justiça Fábio Bechara, conquistou uma estabilidade financeira graças aos serviços que oferece.
Hoje a instituição é muito mais do que uma entidade assistencial. Possui, por exemplo, um laboratório que fez, em 2007, 1,2 milhão de exames de triagem neonatal, o "teste do pezinho", e figura entre os três maiores laboratórios do mundo nesse tipo de exame. A Apae também presta consultorias a órgãos de saúde, além de desenvolver projetos de capacitação a empresas que, por força de lei, precisam reservar de 2% a 5% de suas vagas a portadores de deficiências.
"Se a gente fosse olhar a Apae apenas como entidade assistencial, estaria resolvido. Mas a gente sempre está olhando para a frente. E uma questão que está em pauta, e que sempre foi o sonho da minha mãe: como é que a gente pára de fazer nascer deficiente intelectual?", questiona o publicitário.

Projetos
É aí que entram os primeiros planos da gestão de Cássio na Apae. Ele pretende obter recursos para alavancar um instituto de pesquisas focado no desenvolvimento de estudos de prevalência de doenças genéticas, de mapeamento do genoma e de novas tecnologias que tragam mais qualidade à vida dos deficientes.
"Para isso precisamos de nova entrada de dinheiro, de motivar parceiros para nos ajudar nisso", afirma o novo diretor, que ainda não sabe qual o total de recursos necessários para montar o instituto.
Para o segundo semestre deste ano, a instituição deve realizar um congresso internacional que pretende reunir as maiores autoridades do mundo de áreas que podem interagir com o universo da deficiência intelectual. Um exemplo é Nicolas Negroponte, professor do laboratório de multimídia do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
"Queremos saber, por exemplo, como a informática pode ajudar deficientes intelectuais de uma maneira mais tranqüila na sociedade. Dá para fazer um teclado, uma tela mais amigável ao deficiente intelectual?"
Segundo Cássio, a idéia é que esse primeiro congresso, que deve ocorrer a cada dois anos, dê subsídios para o desenvolvimento de vertentes que vão orientar as linhas de pesquisa do instituto.


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