São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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Porteiro da Cadeia Pública de Ouro Preto é um dos detentos

DA AGÊNCIA FOLHA, EM OURO PRETO E SANTA LUZIA

A Cadeia Pública de Ouro Preto tinha, quando a Folha a visitou, um porteiro incomum em estabelecimentos prisionais: um de seus presos.
Sem camisa e de chinelos, o homem que cumpria, em regime semi-aberto, o sexto ano de detenção por roubo e tráfico, abriu o portão manual enrolando um cigarro. Carregava um molho de chaves e disse: "Vou chamar o investigador".
Ele integrava um programa inovador -segundo informou o governo mineiro, depois de questionado- que dá liberdade a detentos confiáveis. Mas, quando a reportagem esteve no local, ninguém mencionou essa inovação.
O preso não ajudava a administrar o local à toa. Com capacidade para 80 pessoas, a cadeia abrigava cerca de 170, como constatou a reportagem -o governo de Minas disse que eram 90. E um policial civil de 26 anos era o único responsável por todos, afora um PM que fazia a guarda da cadeia.
O investigador devia servir a marmita, atender o telefone, levar remédios, receber familiares em dia de visitas, contatar médicos e -a tarefa mais perigosa- levar os detentos para o banho de sol, quando há reforço da Polícia Militar.
Na cadeia, tudo parecia deteriorado: do lado de fora, o mato crescia alto, quase escondendo os cinco extintores jogados no chão de terra.
No interior, os móveis estavam rasgados, sujos ou quebrados. Na caixa-d'água, o cheiro de carniça era tão forte que dava a impressão de que um animal havia se afogado ali. Faltava água nas celas, onde "gambiarras" elétricas já causaram pequenos incêndios.
Também havia mulheres na cadeia, em tese, masculina. Ficavam em celas separadas, e algumas tinham namorados no cômodo ao lado, com quem podiam, se autorizadas, manter relações sexuais no pátio, escondidas apenas por panos. Um dos "namorados" disse à reportagem: "Sou preso só na consciência. Não há nada que me impeça de ir embora".
Por receber a reportagem, o policial civil acabou afastado temporariamente. Segundo a Secretaria de Defesa Social, ele deveria ter pedido autorização ao delegado responsável e submetido a reportagem a procedimentos de segurança, como revista.

Palmital
Uma história de horror é contada por familiares de presos da Cadeia Pública do Palmital, em Santa Luzia (região metropolitana de Belo Horizonte). No final do ano passado, um preso, doente mental, foi espancado -não se sabe se por policiais ou detentos- e jogado no corredor que liga as celas.
Na manhã seguinte, o cadáver foi encontrado, mas sem parte das mucosas. Ratos haviam comido os olhos e pedaços dos órgãos genitais. O relato foi confirmado por três policiais civis ouvidos pela Folha.
Esvaziada para reformas em 16 de janeiro -quando a reportagem tentou entrar na unidade-, a cadeia tinha fios expostos, esgotos vazando nas celas, superlotação e proliferação de doenças. No dia da transferência dos presos, uma jovem com um bebê no colo andava pela rua de baixo da cadeia. Dizia que seu namorado, que estava preso no local, ligava para ela "todo dia" de um celular. "Aquilo não é lugar de gente. Ali dentro é tudo tratado pior que rato." (JCM)


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