São Paulo, quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

Letalidade policial: um problema de todos

JOSÉ DOS REIS SANTOS FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Curiosamente, a década terminou como começou. Em 2000, 524 pessoas, suspeitas de crimes, supomos, foram atingidas pela letalidade policial. Em 2009, o mesmo número, 524.
Pura coincidência. Nas duas pontas não estiveram nem o maior número de ocorrências, 756, em 2003, nem o menor, 278, em 2005. Ajudaram, porém, a estabelecer, para a década, um total de 4.796 vítimas da ação das polícias paulista. Uma média de 479,6 casos por ano.
Bobagem negar que o poder de fogo da criminalidade aumenta a olhos vistos. Mas seria omissão não considerar que ainda estamos longe de um policiamento em condições de arcar com as demandas de uma sociedade culturalmente à altura de um processo civilizatório.
Muitos dirão que não poderia ser diferente. Afinal, a pergunta ainda é aquela do século 19: quem educa os educadores?
Em um contexto em que ainda imperam preconceitos, privilégios que transformam o "sabe com quem está falando?" em passaporte para a impunidade, dificuldade em lidar com jovens, principalmente os de baixa renda, como cobrar da polícia outro comportamento?
É o que se deve cobrar. Todos os dias. Isso porque há uma aspiração a um modelo de sociedade já estabelecido em uma legislação que é o esqueleto de um comportamento desejável.
E, se isso é verdade, uma das questões fundamentais está no processo de uma socialização à qual devem ser submetidos todos os aspirantes a policiais. A formação policial deve enfrentar fortemente, nos indivíduos concretos, aquilo que a sociedade tem de pior. É um passo a priori. Sem ele, aumento de frota, armas, inteligência, e outros requisitos técnicos não obtêm a eficácia desejada.
De qualquer forma, frente à responsabilidade na construção de uma república, devemos assumir, todos, que o uso letal de armas de fogo só poderá ser feito em legítima defesa, para impedir a perpetração de crime, para efetuar prisão que suponha risco e para evitar fugas.
Em qualquer caso, só quando outros meios menos extremados revelem-se insuficientes. Em todos os casos, quando inevitável à proteção da vida.

JOSÉ DOS REIS SANTOS FILHO é coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Políticas Alternativas da Unesp



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