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SEGURANÇA
Exército impôs toque de recolher informal no morro da Providência, e agressões são constantes, segundo denúncias
Moradores acusam militares de violência
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
Toque de recolher a partir das
20h, crianças revistadas com
grosseria, adultos estapeados, casas e comércios invadidos e depredados, proibição de uso da
quadra de esportes, restrição à
circulação das Kombis comunitárias. Tudo isso vem acontecendo
no morro da Providência desde a
ocupação do Exército, segundo
moradores ouvidos ontem na favela pela Folha.
A revolta dos moradores com a
ação militar é grande. O comerciante Paulo Mariano dos Santos,
25, mostrou à Folha marcas de tiros nas máquinas de música e de
jogos eletrônicos que mantém em
seu bar no largo da Igreja, na parte alta do morro.
"Os soldados atiraram nas máquinas de fuzil. A gente está com
saudade da PM [Polícia Militar]",
afirmou ele.
Com vertentes voltadas para o
centro e para a zona portuária, a
Providência, ensinam os historiadores, foi a primeira favela a surgir no Rio, no fim do século 19.
Hoje, a venda de drogas é controlada por traficantes vinculados ao
CV (Comando Vermelho). O
morro foi ocupado pelo Exército
como parte da operação montada
para localizar armas roubadas de
um quartel na sexta-feira passada.
O Censo 2000 do IBGE indica
que há na favela 3.443 moradores.
A presidente da Pró-Favela da
Providência (associação de moradores do morro), Márcia Regina
da Silva, contesta esse número.
Segundo ela, 9.000 pessoas habitam a comunidade.
Protesto
A dirigente comunitária liderou
um protesto de moradores realizado no fim da noite de anteontem em frente à sede do CML (Comando Militar do Leste), localizada diante do morro.
O ato ocorreu após militares atirarem. Segundo o Exército, a tropa reagiu ao ataque de traficantes
do morro vizinho, onde, no início
da semana, baleado no peito,
morreu Eduardo dos Santos.
"Não houve traficante atirando
no Exército. Os militares é que atiraram para o alto, a fim de criar
um pretexto para barbarizar a comunidade", reclamou a moradora Márcia Alves.
Após os tiros, os militares passaram a percorrer os becos na
parte alta da favela em busca de
criminosos. "Foi horrível. Eles
chamavam os trabalhadores de
vagabundos e as crianças, de semente do mal", afirmou a balconista Luíza da Silva, 28, que disse
ter visto o filho, de sete anos, ser
obrigado a abaixar o calção para
que os militares o revistassem.
Virou alvo
Além de perder as máquinas, o
dono do bar disse ter sido alvo de
tiros. "Eles chegaram a atirar contra mim. Corri para a casa do meu
pai. Eles queriam entrar, e o meu
pai não deixou. Então eles quebraram as lâmpadas e arrebentaram a madeira da janela com coronhadas de fuzil", disse.
Sem se identificar, um homem
disse que na localidade do Barão
um senhor de mais de 60 anos foi
esbofeteado porque impedia os
militares de entrarem em seu barraco sem ordem judicial.
Como o Exército montou o
quartel-general na casa ao lado da
quadra de esportes, crianças e jovens estão impedidos de usá-la.
"Queremos a quadra de volta
para jogar futebol", pediu o estudante Artur de Souza, 15.
A cozinheira Bernadete Moreira, 51, reclama que, com os bloqueios, as Kombis comunitárias
não chegam mais até o alto da favela. "Estamos subindo a pé por
causa dos militares. Isso é desumano", protestou.
Os moradores queixam-se ainda que, desde que o Exército chegou ao morro, no fim de semana
passado, vigora um toque de recolher informal. "A partir das
20h, eles mandam todo mundo
entrar. Quem fica na janela é xingado e até agredido", afirma o camelô Antônio José da Silva, 30.
A presidente da associação disse
que se a violência continuar a população do morro voltará a protestar diante do CML.
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