São Paulo, sábado, 10 de março de 2007

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ARTIGO

Educação: tragédia nada; é drama!

MARIO SERGIO CORTELLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

C ADA VEZ que sai o resultado de alguma avaliação dos nossos sistemas de ensino, especialmente no que tange aos indicadores de qualidade do conhecimento apropriado pelos discentes, lá vem a recorrente frase: "Essa nossa educação é uma tragédia"... O uso dessa expressão é equivocada, pois supõe um fatalismo ou uma desdita da qual não há saída, como se o destino tivesse decidido por nós, homens e mulheres, e só nos caberia agora lamentar ou praguejar.
Não é bem assim. Podemos afirmar conscientemente a natureza dramática das nossas miserabilidades educacionais, sem que elas ganhem um caráter trágico. Tragédia e drama não são a mesma coisa, nem no teatro, nem nas práticas cotidianas.
"Tragédia" é tudo aquilo que está fora de qualquer controle humano, isto é, o que não conseguimos impedir, só aceitar resignadamente. Basta lembrar que a própria origem do termo designava na antiga Grécia um gênero teatral cujo final sempre terminava em desgraça, por mais que personagens tentassem afastar quaisquer conseqüências catastróficas. Aliás, sabemos ser "tragóidia" (trágos/bode+oidé/canção), o "canto do bode", dado que para aplacar a ira dos deuses, em várias cerimônias havia o sacrifício daquele animal.
E "drama"? É ação plena de aventuras, desventuras, tramas, dificuldades, sempre com a possibilidade de intervenção humana e solução ao nosso alcance. No drama não há forças invencíveis que nos impeçam definitivamente de fazermos nossas escolhas, realizar decisões e possibilidades. É só lembrar: a seca é trágica, enquanto a fome por causa dela é dramática; a inundação é trágica, enquanto o desabamento de casas em área de risco é dramático; o terremoto é trágico, as mortes por falta de abrigo são dramáticas. O inevitável é trágico; o evitável é dramático.
Então, não dá para ficar apenas indicando "bodes expiatórios", que normalmente oscilam entre a escolha de docentes e em outras dos discentes, quase sempre vítimas -nem todas ou todos, pois existe também a delinquência magisterial- de estruturas predatórias e pedagocidas. Desse modo, se é drama a ser por nós tecido, é preciso reorientar a progressão continuada e os sistemas de ciclos, sem abandoná-los, mas evitando que impliquem promoção automática inconseqüente; dar mais substância à educação permanente docente, incentivando e facilitando o acesso às especializações e aos mestrados e doutorados; robustecer a gestão democrática, com o envolvimento deliberativo das comunidades escolares (pais, alunos, funcionários e professores) nos conselhos por escola e dos cidadãos nos conselhos municipais de educação; Mais? Articular um relacionamento mais próximo às entidades representativas do magistério, que não se limitam a pauta de reivindicações e que há muitas décadas também têm patrocinado a formação docente com seus cursos abertos, seminários e congressos; aderir criticamente, mas aderir, às referências obrigatórias que metas de qualidade (níveis baixos de evasão e retenção inútil e níveis altos de avaliação discente) trarão na sua conexão com benefícios e repasses de recursos por parte das estruturas de financiamento público.
Por fim, recusar a lógica que submete o investimento social à disponibilidade orçamentária, definindo antes o que é "qualidade" e, aí sim, compondo um custo-aluno-qualidade que corresponda à necessidade educacional. Tragédia? Jamais...


MARIO SERGIO CORTELLA , 53, é professor-titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da pós-graduação em educação (currículo) da PUC-SP; foi secretário municipal da Educação de São Paulo (1991/1992, governo de Luiza Erundina) e é autor, entre outros livros, de "A Escola e o Conhecimento" (Cortez)


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