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ARTIGO
Educação: tragédia nada; é drama!
MARIO SERGIO CORTELLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
C
ADA VEZ que sai o
resultado de alguma
avaliação dos nossos
sistemas de ensino, especialmente no que tange aos indicadores de qualidade do conhecimento apropriado pelos discentes, lá vem a recorrente frase: "Essa nossa educação é uma
tragédia"...
O uso dessa expressão é equivocada, pois supõe um fatalismo ou uma desdita da qual não
há saída, como se o destino tivesse decidido por nós, homens
e mulheres, e só nos caberia
agora lamentar ou praguejar.
Não é bem assim. Podemos
afirmar conscientemente a
natureza dramática das nossas
miserabilidades educacionais,
sem que elas ganhem um caráter trágico. Tragédia e drama
não são a mesma coisa, nem
no teatro, nem nas práticas
cotidianas.
"Tragédia" é tudo aquilo que
está fora de qualquer controle
humano, isto é, o que não conseguimos impedir, só aceitar
resignadamente.
Basta lembrar que a própria
origem do termo designava na
antiga Grécia um gênero teatral
cujo final sempre terminava
em desgraça, por mais que personagens tentassem afastar
quaisquer conseqüências
catastróficas. Aliás, sabemos
ser "tragóidia" (trágos/bode+oidé/canção), o "canto do
bode", dado que para aplacar a
ira dos deuses, em várias cerimônias havia o sacrifício
daquele animal.
E "drama"? É ação plena de
aventuras, desventuras, tramas, dificuldades, sempre com
a possibilidade de intervenção
humana e solução ao nosso alcance. No drama não há forças
invencíveis que nos impeçam
definitivamente de fazermos
nossas escolhas, realizar decisões e possibilidades.
É só lembrar: a seca é trágica,
enquanto a fome por causa dela
é dramática; a inundação é trágica, enquanto o desabamento
de casas em área de risco é dramático; o terremoto é trágico,
as mortes por falta de abrigo
são dramáticas. O inevitável é
trágico; o evitável é dramático.
Então, não dá para ficar apenas indicando "bodes expiatórios", que normalmente oscilam entre a escolha de docentes
e em outras dos discentes, quase sempre vítimas -nem todas
ou todos, pois existe também
a delinquência magisterial-
de estruturas predatórias e
pedagocidas.
Desse modo, se é drama a ser
por nós tecido, é preciso reorientar a progressão continuada e os sistemas de ciclos, sem
abandoná-los, mas evitando
que impliquem promoção automática inconseqüente; dar
mais substância à educação
permanente docente, incentivando e facilitando o acesso às
especializações e aos mestrados e doutorados; robustecer a
gestão democrática, com o envolvimento deliberativo das comunidades escolares (pais, alunos, funcionários e professores) nos conselhos por escola e
dos cidadãos nos conselhos
municipais de educação;
Mais? Articular um relacionamento mais próximo às entidades representativas do magistério, que não se limitam a
pauta de reivindicações e que
há muitas décadas também
têm patrocinado a formação
docente com seus cursos abertos, seminários e congressos;
aderir criticamente, mas aderir, às referências obrigatórias
que metas de qualidade (níveis
baixos de evasão e retenção
inútil e níveis altos de avaliação
discente) trarão na sua conexão
com benefícios e repasses de
recursos por parte das estruturas de financiamento público.
Por fim, recusar a lógica que
submete o investimento social
à disponibilidade orçamentária, definindo antes o que é
"qualidade" e, aí sim, compondo um custo-aluno-qualidade
que corresponda à necessidade
educacional.
Tragédia? Jamais...
MARIO SERGIO CORTELLA , 53, é professor-titular do Departamento de Teologia e Ciências da
Religião e da pós-graduação em educação (currículo) da PUC-SP; foi secretário municipal da
Educação de São Paulo (1991/1992, governo de
Luiza Erundina) e é autor, entre outros livros, de
"A Escola e o Conhecimento" (Cortez)
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