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PASQUALE CIPRO NETO
"Não sei mais o que faça..."
Quando se vai ao dicionário (de papel ou eletrônico), a pressa é -mais do que nunca- inimiga da perfeição
NA DELICADA "Não Tem Solução" (composta por Dorival
Caymmi e Carlos Guinle),
encontra-se esta passagem: "E eu,
que esperava nunca mais amar, não
sei mais o que faça com esse amor...".
A doce canção me veio à mente depois que muitos leitores se manifestaram sobre o texto da semana passada, em que abordei uma questão
da UFSCar, cuja resposta continha o
passo "Uma vez que ele ganhe...". Alguns desses leitores, que afirmaram
que nunca viram o presente do subjuntivo assim empregado, chegaram
até a questionar a sua legitimidade.
De fato, esse uso do subjuntivo
com a locução "uma vez que" não é
muito comum, mas não pode ser dado como raro ou raríssimo (sua incidência é maior na língua escrita do
que na falada). Esse emprego é confirmado pelo "Houaiss" e pelo "Aurélio", que, no verbete "vez", registram a locução com seus dois valores (causal e condicional, exemplificados respectivamente com o verbo
no indicativo e no subjuntivo).
Na canção de Caymmi e Guinle, o
emprego de "faça" (do modo subjuntivo) tem matiz bem interessante. Troque "faça" por "faço" ("Não
sei mais o que faço..."). Percebeu?
Com o emprego de "faço" (do modo
indicativo), o ato de fazer pode ter
matiz mais real ("Não sei mais o que
faço" = "Não tenho mais noção do
que faço"). Quando se usa "faça", o
ato de fazer é posto no plano da hipótese, da dúvida, da suposição
("Não sei mais o que faça" = "Não sei
mais o que posso/é possível fazer").
Posto isso, quero aproveitar o episódio do emprego do modo subjuntivo com a expressão "uma vez que"
para um comentário que me parece
importante: como localizar certas
informações nos dicionários? Como
saber, por exemplo, quando se escreve "dia-a-dia" e quando se escreve "dia a dia" ou como se flexiona o
verbo com certas expressões, como
no caso de "uma vez que"?
Para que se encontre (ou não) o
composto "dia-a-dia" (com dois hífenes -trata-se da substantivação
da expressão "dia a dia"), basta ir à
letra "d" e verificar se existe registro.
Se houver, pronto! Um a zero. Como
a expressão de fato tem registro, vamos ao que se encontra: "A sucessão
dos dias; o viver cotidiano, o labor de
todos os dias" ("Aurélio"). As definições do "Houaiss" são bem parecidas (uma diferente é "a rotina").
E onde se encontra então a expressão "dia a dia"? No verbete
"dia". Depois de explicarem os diversos sentidos e usos da palavra
"dia", os dicionários dão algumas
das tantas expressões da língua de
que esse substantivo faz parte ("dia
cheio", "dia D", "dia de São Nunca",
"dia aziago" etc.). Uma dessas expressões é "dia a dia", que tem valor
adverbial e significa "cotidianamente", "com o correr dos dias", "dia
após dia" ("Ela melhora dia a dia").
Não posso deixar de lembrar que,
no caso de uma ida ao dicionário, a
pressa -mais do que nunca- é inimiga da perfeição. Quem simplesmente fecha o tijolão ou a página
eletrônica assim que encontra "dia-a-dia" corre o risco de meter os pés
pelas mãos, ou seja, pode concluir
que sempre se usa essa forma.
No caso de "à-toa" e "à toa", o processo se repete. Vai-se à letra "a" e se
encontra "à-toa" (de valor adjetivo
-significa "desprezível", "vil" etc.).
A expressão "à toa" (de valor adverbial -significa "a esmo", "ao acaso")
se encontra no verbete "toa". É isso.
inculta@uol.com.br
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