São Paulo, domingo, 10 de abril de 2011

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ENTREVISTA GUSTAVO TEIXEIRA

Só bullying não é capaz de explicar o massacre

PARA MÉDICO, PERSEGUIÇÃO A CRIANÇA PODE SER GATILHO PARA VIOLÊNCIA EM QUEM JÁ TEM ALGUMA DOENÇA PSIQUIÁTRICA

FABIANA REWALD
DE SÃO PAULO

Nos últimos anos, com um certo atraso em relação a outros países, os educadores brasileiros acordaram para os efeitos perversos do bullying. Mesmo assim, ainda estamos atrasados nas políticas de prevenção, que, para darem certo, devem ser constantes, e não episódicas.
A opinião é do psiquiatra infantil Gustavo Teixeira, que dá aulas a professores no Brasil e no exterior sobre o assunto.
A uma semana de lançar o "Manual Antibullying - Para Alunos, Pais e Professores" (Editora BestSeller), ele falou à Folha sobre o que pode ter levado Wellington Menezes de Oliveira a matar alunos da escola em que estudou.

 


Folha - Existe uma relação entre o bullying e casos de violência como do Rio?
Gustavo Teixeira
- É claro que a gente não pode associar que toda vítima de bully- ing se tornará uma pessoa agressiva. Mas o relato na literatura mostra que muitos alvos de bullying procuram se vingar e culpam a instituição de ensino. Estão investigando isso no Rio também.
Outra questão importante é a da doença psiquiátrica. O que causa isso? Basicamente, dois fatores principais: um componente genético e imutável associado a desencadeadores ambientais. O ambiente é o que puxa o gatilho. O bullying pode ser um gatilho importante para uma doença psiquiátrica.

O que determina o bullying?
Uma relação desigual de poder. Os alvos de bullying normalmente são crianças tímidas, desajeitadas, retraídas, com autoestima baixa e com dificuldade de se defender. Os agressores são pessoas extrovertidas, que se comunicam melhor, têm uma autoestima preservada. Normalmente são muito covardes e agem em bando.

Por que algumas vítimas reagem violentamente?
Na grande maioria dos casos, [as vítimas de bullying] cometem suicídio ou ficam sofrendo sozinhas pelo resto da vida. Nesses poucos casos em que ocorre a reação de agressão no sentido de ir armado para a escola e cometer assassinatos em série, existe uma doença psiquiátrica.
Foi assim em Columbine e em Virginia Tech [escolas americanas alvos de ataques], parece que é o caso desse garoto no Rio. O que parece ser determinante são doenças psiquiátricas mesmo, seja esquizofrenia, sejam transtornos de personalidade antissocial. No caso do Rio, há indícios de que é um caso de esquizofrenia.

Quais são esses indícios?
A impressão que dá [pela carta que ele deixou] é que existe uma quebra na personalidade. É como se ele pudesse dividir o mundo em duas partes: o mundo dos puros e o dos impuros.
E tem essa questão de conteúdo místico-religioso, de que apenas pessoas virgens poderão tocá-lo, pessoas que não fossem virgens teriam de usar luvas. Ele deixa claro que ele é virgem e tem uma predisposição para assassinar meninas. É precoce afirmar, mas é possível que haja um quadro de esquizofrenia.

A vítima pode descontar sua raiva de outra maneira?
Ele pode se tornar uma pessoa agressiva com os filhos, a mulher, o cachorro, o irmão mais novo.

Como combater o bullying?
Não se pode fazer um programa episódico, de um mês. O que funciona é a aplicação de políticas de forma continuada na instituição de ensino, pelo próprio sistema governamental. É uma questão de saúde pública.

As escolas brasileiras já estão dando a devida importância?
Felizmente, o pessoal está começando a entender o que é. Agora, em termos de programas ocorrendo de maneira sistematizada, ainda é muito raro. São pouquíssimas instituições de ensino no país que já trabalham isso. Foi dada a largada, agora o que a gente precisa de fato é implementar essas técnicas para a gente cuidar da saúde mental das nossas crianças.

Há diferença entre o bullying nos EUA e no Brasil?
Talvez a grande diferença é que os educadores lá já têm conhecimento de bullying há mais tempo, a gente está um pouquinho atrasado.


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