|
Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Folha entrevistou 150 paulistanos que em sua maioria deixaram postos de saúde sem parte ou toda a medicação prescrita
Farmácia de Lula vende o que falta no SUS
FABIO SCHIVARTCHE
FABIANE LEITE
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Inauguradas pelo governo federal no início desta semana, as unidades do Farmácia Popular da cidade de São Paulo têm um abastecimento de medicamentos privilegiado em relação aos postos do
SUS (Sistema Único de Saúde).
No programa da União, lançado
em quatro capitais a menos de
quatro meses das eleições, os remédios são subsidiados e vendidos a preços mais baixos que os
encontrados na rede particular.
Pelo SUS, a distribuição é gratuita.
A Folha visitou ontem quatro
UBSs (Unidades Básicas de Saúde) da Prefeitura de São Paulo,
que recebem recursos do SUS.
Das 150 pessoas entrevistadas,
apenas 33% encontraram todos
os medicamentos receitados.
Pouco menos de um quarto
(24%) não achou nenhum. Os demais 43% conseguiram gratuitamente apenas parte dos remédios.
Esses paulistanos voltaram para
casa sem 49 itens de suas receitas.
Dezoito deles, no entanto, foram
encontrados pela Folha à venda
em unidades do Farmácia Popular próximas aos postos do SUS
que estavam desabastecidos.
É o caso da dona-de-casa Ana
Angélica Silva, que enfrentou o
frio da manhã de ontem para levar sua filha Aline, 15, embrulhada num cobertor, para a UBS do
Jardim Guanabara, na Freguesia
do Ó, zona norte de São Paulo.
"Ela está com uma baita crise de
bronquite. Nem dormiu de noite
de tanta tosse", afirmou.
Em meia hora ela saiu do posto,
mas sem o xarope que o médico
receitou -não tinha nenhum no
estoque. Ana Angélica resolveu
procurar pelo medicamento numa drogaria particular e pagar do
próprio bolso. Mas, se tivesse percorrido os 2 quilômetros que separam a UBS da Farmácia Popular da rua Javoraú, teria encontrado por até R$ 0,18 a droga prednisona (preço por comprimido).
Mãe de Caio, de 10 meses, que
vomitava ontem no posto do Jardim Grimaldi, zona leste, Maria
Helena Martins, 32, também não
conseguiu encontrar um xarope,
receitado na noite anterior para o
filho. Não havia ainda dipirona,
para a febre do menino.
"Acho que vou comprar. Não
dá para esperar mais. Ontem já
cheguei muito tarde do médico e
não consegui", disse.
No mesmo local, Estelita Lima
Ferreira, 50, não encontrou a ranitidina, para o estômago. "Vou
andar por aí." Severino Miranda,
78, caminhando com dificuldade,
também deixou o local sem o
mesmo medicamento. Se tivesse
R$ 12 para comprar cem comprimidos, poderia ter ido à Farmácia
Popular da Vila Prudente.
A aposentada Regina Evaristo,
58, mandou desligar o telefone
para poder comprar remédios para pressão para a irmã -não os
encontra no posto da zona leste.
"Ganho R$ 500, pago prestação
da casa. Tive de fazer isso para
não perder a linha." Deixou o
posto, mais uma vez, sem os medicamentos prescritos.
A romaria desses paulistanos e
os números obtidos pela Folha
reforçam os que questionam a razão de o governo investir em uma
iniciativa considerada excludente
-para ter acesso é preciso pagar- em vez de investir ainda
mais na melhoria da rede pública
gratuita de distribuição.
"O programa seria importante
se não existissem tantos problemas nas farmácias do SUS. E ele
só pode trazer benefício para
quem pode pagar", afirma Celina
Maria de Oliveira, dirigente da
União dos Movimentos Populares de Saúde de São Paulo.
A Ouvidoria do município de
São Paulo tem, entre as principais
reclamações do setor de saúde, a
baixa qualidade do atendimento
das unidades básicas, devida à falta de remédios e médicos.
Investimentos
Os R$ 330 milhões que o governo federal pretende gastar neste
ano no Farmácia Popular seriam
suficientes para quase duplicar os
incentivos da União para a assistência farmacêutica básica e gratuita, levando-se em conta o que
foi aplicado no setor no ano passado, R$ 173,9 milhões.
Hoje, na maior parte dos municípios, o Ministério da Saúde investe R$ 1 por habitante/ano como incentivo para abastecimento
das farmácias básicas -a dos
postos. Estados e municípios têm
de colocar mais R$ 0,50 por habitante, no mínimo, cada um.
Segundo Wenderson Walla Andrade, técnico do Departamento
de Sistemas Farmacêuticos do
Ministério da Saúde, atualmente
União, Estados e Municípios discutem o aumento do incentivo federal para R$ 1,50. "Depende de
recursos", afirma.
Pesquisa de dezembro de 2002
do Idec (Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor) mostrava que em todas as 50 unidades de
saúde visitadas em 11 municípios
brasileiros faltava pelo menos um
dos 61 remédios pesquisados -a
disponibilidade média era de apenas 55,4%.
Alheia aos milhões gastos pelo
governo federal, Marisa Pereira
juntou R$ 10 com seus vizinhos e
foi ontem à unidade do Farmácia
Popular na Freguesia do Ó para
comprar remédio para sua avó,
Maria de Lourdes, 80. "No posto
da prefeitura nunca tem. Se a velhinha não tomar as pílulas por
um dia, a diabetes sobe."
Próximo Texto: Outro lado: Ministério vê demanda maior Índice
|