São Paulo, quinta-feira, 10 de junho de 2004

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SAÚDE

Folha entrevistou 150 paulistanos que em sua maioria deixaram postos de saúde sem parte ou toda a medicação prescrita

Farmácia de Lula vende o que falta no SUS

FABIO SCHIVARTCHE
FABIANE LEITE
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Inauguradas pelo governo federal no início desta semana, as unidades do Farmácia Popular da cidade de São Paulo têm um abastecimento de medicamentos privilegiado em relação aos postos do SUS (Sistema Único de Saúde).
No programa da União, lançado em quatro capitais a menos de quatro meses das eleições, os remédios são subsidiados e vendidos a preços mais baixos que os encontrados na rede particular. Pelo SUS, a distribuição é gratuita.
A Folha visitou ontem quatro UBSs (Unidades Básicas de Saúde) da Prefeitura de São Paulo, que recebem recursos do SUS. Das 150 pessoas entrevistadas, apenas 33% encontraram todos os medicamentos receitados. Pouco menos de um quarto (24%) não achou nenhum. Os demais 43% conseguiram gratuitamente apenas parte dos remédios.
Esses paulistanos voltaram para casa sem 49 itens de suas receitas. Dezoito deles, no entanto, foram encontrados pela Folha à venda em unidades do Farmácia Popular próximas aos postos do SUS que estavam desabastecidos.
É o caso da dona-de-casa Ana Angélica Silva, que enfrentou o frio da manhã de ontem para levar sua filha Aline, 15, embrulhada num cobertor, para a UBS do Jardim Guanabara, na Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo. "Ela está com uma baita crise de bronquite. Nem dormiu de noite de tanta tosse", afirmou.
Em meia hora ela saiu do posto, mas sem o xarope que o médico receitou -não tinha nenhum no estoque. Ana Angélica resolveu procurar pelo medicamento numa drogaria particular e pagar do próprio bolso. Mas, se tivesse percorrido os 2 quilômetros que separam a UBS da Farmácia Popular da rua Javoraú, teria encontrado por até R$ 0,18 a droga prednisona (preço por comprimido).
Mãe de Caio, de 10 meses, que vomitava ontem no posto do Jardim Grimaldi, zona leste, Maria Helena Martins, 32, também não conseguiu encontrar um xarope, receitado na noite anterior para o filho. Não havia ainda dipirona, para a febre do menino.
"Acho que vou comprar. Não dá para esperar mais. Ontem já cheguei muito tarde do médico e não consegui", disse.
No mesmo local, Estelita Lima Ferreira, 50, não encontrou a ranitidina, para o estômago. "Vou andar por aí." Severino Miranda, 78, caminhando com dificuldade, também deixou o local sem o mesmo medicamento. Se tivesse R$ 12 para comprar cem comprimidos, poderia ter ido à Farmácia Popular da Vila Prudente.
A aposentada Regina Evaristo, 58, mandou desligar o telefone para poder comprar remédios para pressão para a irmã -não os encontra no posto da zona leste. "Ganho R$ 500, pago prestação da casa. Tive de fazer isso para não perder a linha." Deixou o posto, mais uma vez, sem os medicamentos prescritos.
A romaria desses paulistanos e os números obtidos pela Folha reforçam os que questionam a razão de o governo investir em uma iniciativa considerada excludente -para ter acesso é preciso pagar- em vez de investir ainda mais na melhoria da rede pública gratuita de distribuição.
"O programa seria importante se não existissem tantos problemas nas farmácias do SUS. E ele só pode trazer benefício para quem pode pagar", afirma Celina Maria de Oliveira, dirigente da União dos Movimentos Populares de Saúde de São Paulo.
A Ouvidoria do município de São Paulo tem, entre as principais reclamações do setor de saúde, a baixa qualidade do atendimento das unidades básicas, devida à falta de remédios e médicos.

Investimentos
Os R$ 330 milhões que o governo federal pretende gastar neste ano no Farmácia Popular seriam suficientes para quase duplicar os incentivos da União para a assistência farmacêutica básica e gratuita, levando-se em conta o que foi aplicado no setor no ano passado, R$ 173,9 milhões.
Hoje, na maior parte dos municípios, o Ministério da Saúde investe R$ 1 por habitante/ano como incentivo para abastecimento das farmácias básicas -a dos postos. Estados e municípios têm de colocar mais R$ 0,50 por habitante, no mínimo, cada um.
Segundo Wenderson Walla Andrade, técnico do Departamento de Sistemas Farmacêuticos do Ministério da Saúde, atualmente União, Estados e Municípios discutem o aumento do incentivo federal para R$ 1,50. "Depende de recursos", afirma.
Pesquisa de dezembro de 2002 do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) mostrava que em todas as 50 unidades de saúde visitadas em 11 municípios brasileiros faltava pelo menos um dos 61 remédios pesquisados -a disponibilidade média era de apenas 55,4%.
Alheia aos milhões gastos pelo governo federal, Marisa Pereira juntou R$ 10 com seus vizinhos e foi ontem à unidade do Farmácia Popular na Freguesia do Ó para comprar remédio para sua avó, Maria de Lourdes, 80. "No posto da prefeitura nunca tem. Se a velhinha não tomar as pílulas por um dia, a diabetes sobe."


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