São Paulo, sábado, 10 de junho de 2006

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WALTER CENEVIVA

Até quando?

A tal reforma agrária, da qual vêm falando sucessivos governantes, é um blefe, ante a evidente desproporção

NA PREPARAÇÃO para antigos vestibulares, exigido o conhecimento do latim, o aluno logo decorava a pergunta célebre de Marco Túlio Cícero (106 AC-43): "quousque tandem Catilina abutere patientia nostra?" (até quando Catilina abusarás de nossa paciência?). Volta e meia a lembrança do grande orador romano retorna. Nos tempos atuais são muitos os que abusam da paciência do povo, sem preocupação com o mal causado e com a democracia. Devem cuidar-se.
O movimento dos sem-terra tem valor sócio-político significativo. Tomada em si mesma a idéia de assentar populações no campo é boa e constitucional. Serve até para reverter a concentração demográfica nas áreas urbanas, com os problemas daí resultantes, entre os quais a criminalidade nem é o mais grave. Setenta por cento das pessoas hoje habitando em cidades viviam, há 60 anos, no campo. Fixados os trabalhadores rurais, em seu ambiente natural, com sobrevivência digna, os centros urbanos passariam a oferecer melhores condições de vida.
A tal reforma agrária, da qual vêm falando sucessivos governantes, é um blefe, ante a evidente desproporção entre beneficiados (recebem terras) e insatisfeitos, assim ofendido o artigo 184 da Carta Magna, onde determinada a distribuição. Resultado: aumentam as agressões ao direito de propriedade. Invasões violentas atingem bens públicos. No setor privado, agridem, por exemplo, a distribuição de bens úteis para o reflorestamento. O fato consumado tem sido visto pelo presidente da República com naturalidade, o que, em parte, explica os eventos da Câmara Federal, nesta semana.
Os que se dizem mal atendidos aplicam cada vez mais o argumento da força em lugar da força do argumento. A invasão e o quebra-quebra na Câmara dos Deputados, presidida por Aldo Rabelo, seria acontecimento menor, até compreensível, embora inaceitável, diante dos escândalos insuficientemente apurados, em que se envolveram parlamentares. Há notícias sérias de que o movimento dos sem-terra tem recebido contribuições do Poder Executivo. Se forem comprovadas, o presidente da República terá de saber que está colocando seu mandato em risco. Quando, há alguns meses, falou-se em provocar o impedimento de Luiz Inácio Lula da Silva, afirmei logo a inexistência de causa eficiente para o remédio extremo. Agora, porém, a destruição de bens, o ferimento de pessoas, o desrespeito doloso ao Poder Legislativo mostra que os sem-terra devem ter os excessos contidos, sob pena de levar seu protetor, o chefe do Executivo, às conseqüências do artigo 85 da Carta. Este considera "crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal", a qual lhe impõe o dever de preservar o livre exercício do Poder Legislativo e a probidade administrativa. Ora, o Executivo tem estimulado as ações delituosas com seu apoio e se comprovadas com a entrega de verbas públicas. Os movimentos sociais tendem a ter certos exageros, que cumpre tolerar ou, pelo menos compreender. Ocorre, porém, que líderes e participantes dos sem-terra vêm ultrapassando os limites aceitáveis, sem que o governo federal interrompa o agravamento progressivo. Até quando continuarão abusando de nossa paciência? A que preço?


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