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Teste comparativo avalia pagode lésbico e frenesi gay
Festa das mulheres termina quando a outra está praticamente começando
Balada dos rapazes tem drogas alucinógenas e estimulantes; moças se arriscam na pista com espetinho de carne e cerveja
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Nada mais instrutivo para
entender a diversidade homossexual do que ir a uma festa de
lésbicas, com churrasco e pagode, e a uma de gays, cheia de homens bombados dançando
com o peitão de fora.
Realizadas respectivamente
na quarta e na quinta-feira da
semana passada, na boate The
Week, as duas são tão radicalmente diferentes que uma termina na hora em que a outra está praticamente começando.
Marcada para as 16h, com
churrasco, a festa das lésbicas
esquenta com a apresentação
de um grupo de pagode que faria os gays abandonarem a pista
em disparada. O "Meninas do
Ressaca" toca sucessos como
"Vou Festejar" ("Você pagou
com traição/a quem sempre
lhe deu a mão"), celebrizado na
voz da sambista Beth Carvalho.
A dos gays começa por volta
das 2h, sem preâmbulos; um
dos cinco DJs contratados para
manter a pista abarrotada toca
o que chamam de "hard house"
- música eletrônica de embalo,
que leva um bando de musculosos descamisados a um frenesi
crescente de pulos e gritos. O
ritmo faria uma lésbica cervejeira bufar de exaustão logo nos
primeiros passos.
Justiça seja feita: enquanto
boa parte dos rapazes está aditivada com ecstasy, cocaína,
"K" (alucinógeno), GHB (euforizante) e Ice (estimulante cerebral), as moças se arriscam
na pista só com espetinho de
picanha e cerveja no estômago.
"Os gays malham a semana
inteira, juntam dinheiro para
vir à balada e idealizam esse dia
como se fosse o último da vida
deles", diz o produtor Beto
Matte, 35, por volta das 5h. De
acordo com Matte, ninguém
quer realmente nada com ninguém, apenas exibir o corpo esculpido, caçar quem tem droga
e, aí sim, beijar vários.
Habitualmente, a The Week
é freqüentada apenas por gays,
mas na semana da parada abriu
excepcionalmente as portas
para a festa das lésbicas.
Até a dinâmica do evento
muda: no espaço onde gays costumam se amontoar sem camisa, as lésbicas bebericam em
mesas de plástico colocadas ali
para sua festa.
"A gente não tem tanta preocupação com o físico, não usa
drogas e procura relações estáveis", diz a dupla Márcia Batista, 46, gerente administrativa, e
Heloísa Silva, 48, economista,
que comemora "bodas de prata" agora em julho.
No figurino, a lésbica não vai
muito além do jeans com camiseta, ou camisa social masculina (adoram as listradas); as
"sussa" (sossegadas) preferem
o conforto de um abrigo largão.
Há algumas usando paletó com
a manga dobrada e sapatênis.
Entre os gays, o céu é o limite.
Embora a esmagadora maioria
vá acabar com o tórax de fora,
ao chegar eles vestem camisetas muito justas e decotadas,
com nomes de estilistas famosos em letras garrafais, ou números grandes, e grifes, muitas
grifes; casacos com peles, eventualmente óculos escuros e boné (por causa da calvície).
"Só uso tênis Puma, tenho sete pares", contabiliza o publicitário Thiago Guez, 23, 1,95m,
95 kg. São 3h25 quando ele entra na boate vestindo um casaco debruado de pele "comprado
em Paris", jeans Diesel e uma
camisa Zara. Usa perfume Jean
Paul Gaultier, mas seu preferido é o 212, de Carolina Herrera.
Na festa lésbica, assim que o
grupo de pagode sai do palco e o
DJ Marcos Paulo assume as picapes, o salão dá uma esvaziada
(elas preferem música ao vivo).
"Tenho de tocar MPB, anos
80 e pop comercial, porque elas
ouvem mais rádio que os gays",
explica o DJ.
Entre si, os gays se chamam
no feminino: "Onde a senhora
está, bicha!?", pergunta um rapagão musculoso, no celular, a
um amigo, na porta da boate.
Mais sérias, as lésbicas jamais se referem umas às outras
por "sapatão". O máximo a que
se permitem é um "sapa". "Em
geral, usamos para nos certificar se alguém é ou não (sapa),
entende?", explica a microempresária Sônia Gomes, 46.
A defasagem geracional parece maior entre lésbicas do que
gays. As mais novas consideram as mais velhas "pesadas".
Marcela, 26, que integra um
grupo de meninas magrinhas,
de cabelo comprido e "atitude
Sandy", aponta para um grupo
de quarentonas que bebem em
uma das mesinhas.
"Detesto essas que usam pochete e celular na cintura. Não
andaria nem sequer ao lado de
uma." Todas concordam, rindo
(elas são nítida minoria).
Entre os gays, a estética de
um jovem de 20 e a de um senhor de 50 é praticamente a
mesma: infantilizados, os mais
velhos não temem parecer decadentes pulando sem camisa,
gritando e beijando muitos.
No fim das festas, a impressão é que há apenas um ponto
em comum entre os grupos: a
homofobia de muitos. "As meninas bonitas não estão nessa
festa porque não querem se
misturar. Elas são bissexuais",
acha a estudante Aline, 18.
O engenheiro Augusto, 35,
acredita que "os gays não gostam de bichas". "Ele ficam com
vários aqui na boate porque está tudo escuro, o som é muito
alto e não é preciso ouvir a voz
(fina) de ninguém. No dia-a-dia, sem nada na cabeça, a música é outra."
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