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"Cinderela do lixão" não virou princesa
Descoberta pela atriz Giovanna Antonelli em 2004, a ex-catadora Cristiane de Andrade ouviu promessas para virar top
Passada a fama-relâmpago, ela diz que mal tinha o que comer e que foi cobaia de "reality show", mas se reergueu como garçonete
DANIEL BERGAMASCO
DA REPORTAGEM LOCAL
Nem Eli Hadid, dono da
agência Mega Models, que contratou a ex-catadora Cristiane
de Andrade depois que ela foi
descoberta em um lixão de
Bangu, no Rio, sabe ao certo o
final desse conto de fadas.
"Ah, sim, a Cristiane, do lixão! Lembro-me dela. Lembro
que ela acabou saindo da agência, mas não lembro direito o
porquê. Acho que ela não tinha
muita força de vontade", diz
Eli. "Cadê ela?"
Cristiane, 26, não se esquece
de nada. De quando era catadora do lixão e foi descoberta pela
atriz Giovanna Antonelli durante uma gravação em 2004
da novela "Da Cor do Pecado",
que está sendo reprisada agora.
De quando brilhou no "Fantástico", da TV Globo, e no "Domingo Legal", do SBT. De
quando trocou seu barraco em
uma favela de Bangu por um
flat "muito chique" em São
Paulo, pago pela agência Mega.
E de quando tudo isso virou pó.
"Eu tive aqueles minutinhos
de fama, de aparecer em TV e
em revistas como a modelo que
veio do lixão. Era época do Fashion Rio e cheguei a desfilar para o Walter Rodrigues."
"Na frente da TV, me prometiam tudo, contratos para ganhar R$ 2.000. Depois desconversavam. Dinheiro, que é bom,
nunca vinha", diz. "Era muita
bajulação e pouca grana. No começo, eu ganhava uns R$ 200
aqui, uns R$ 300 ali. Depois
passava um tempão sem trabalho. Tinha onde morar, mas
não tinha salário. Estava comendo pior do que em Bangu.
Foi quando decidi largar tudo."
Mas não voltar à favela. Depois de comer o pão que o mundinho fashion amassou na promessa de se tornar "uma grande modelo", Cristiane conseguiu emprego como garçonete
no bar cubano Azucar, no
Itaim, onde trabalha até hoje.
Deixou de lado o sonho de
princesa para não virar abóbora. "Fui à luta e estou feliz demais! Moro numa casinha boa,
de um quarto, em Santo Amaro.
E ganho muito mais aqui do
que como modelo." Uma garçonete no bairro do Itaim chega a
ganhar R$ 2.000 por mês.
"Ela virou garçonete? Fico
feliz em saber. Ela veio do lixão,
acho que progrediu muito", diz
Eli Hadid.
Gorda
Alta (1,80 m), com 58 quilos
quando chegou a São Paulo,
Cristiane diz que "era considerada gorda para alguns trabalhos". "Às vezes não chegavam
a olhar para o rosto. A pessoa
olhava da cintura para baixo. A
mais ossuda é a que ia."
"Todo mundo fala que eu sou
um varapau. Mas, para o mundo da moda, eu sou gorda."
Preocupada com a forma, ela
chegou a ser cobaia de um "reality show" de produtora independente que nunca foi ao ar.
Lipoaspirou a barriga e as pernas e colocou 400 ml de silicone em cada seio. Cachê? Nada.
"Mas adorei operar de graça."
Na agência, o cotidiano era
angustiante, diz ela. "O que a
Mega fez comigo não é porque
eu era do lixão. Faziam também com outras modelos que
não vieram de mídia." Faziam o
quê? "De não ligar, deixar ali
sentada no tão famoso sofá da
Mega o dia inteiro. Tem a mesa
dos "bookers" [agentes] num
canto e as modelos ficam ali no
sofá, penando o dia inteiro, com
fome, esperando um casting
[seleção para um trabalho]."
Veterana bem sucedida, a top
Letícia Birkheuer diz que o sofrimento faz parte da carreira.
"A maioria das meninas não
consegue nada mesmo. É muito cruel. Mas a vida é difícil em
qualquer profissão."
O contato de Cristiane com a
fada madrinha global continuou. "Ela foi um anjo", diz a
garçonete, que não tem o número de celular, mas sabe o e-mail de Giovanna Antonelli.
Depois de três meses no flat,
Cristiane foi instalada em uma
república de modelos. Diz que
tinha fome. Mas não tinha dinheiro. Então vivia de macarrão e jujubas. "Em Bangu eu tinha minha carninha de vez em
quando. Aqui eu ia direto pro
Miojo, pra gastar menos."
Não que a vida no lixo fosse
fácil. Seu corpo era marcado
por cacos de vidro e pedaços de
ferro em que esbarrava na
montanha de restos. Um dia,
achou dois fetos abortados em
um pote. Era vida dura, mas
que em matéria de cenas deprimentes não deixava a desejar
aos bastidores da moda.
"Conheci meninas que cheiravam [cocaína] para emagrecer", diz. "Vi muitas estragarem
a vida. E também meninas lindas gastarem o dinheiro que
juntaram para a faculdade para
se manter em São Paulo e depois voltar para casa sem nada."
Os prós, os contras, e ela acha
que valeu a pena. "Eu ganhava
R$ 400 catando lixo e hoje melhorei muito minha vida. Muito
"booker" apostava que eu ia voltar pro lixão. Alguns catadores
de lá também falavam isso."
Cristiane diz que acha "lindo
desfilar". "Tenho vontade de
continuar, mas peguei medo de
agência. A imagem que eu tenho do mundo da moda é de
muita mentira. A palavra não
vale muita coisa."
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