São Paulo, sexta, 10 de julho de 1998

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OPINIÃO
Remédios inócuos ou eficazes?

ISAIAS RAW

O problema recente com pílulas contendo apenas farinha e a ampla rede de falsificadores levanta o véu dos problemas que enfrentamos no setor farmacêutico.
Quando o Instituto Butantan produz vacinas, além de submeter suas instalações e procedimentos a inspeção da Organização Mundial da Saúde, realiza em cada lote duas baterias de testes, no setor de produção e, independentemente, no setor de controle. As vacinas são enviadas ao depósito da Funasa, onde o Instituto Nacional de Controle de Qualidade coleta, ao acaso, um número de frascos, que submete de novo a testes que garantem a eficácia e a inocuidade do produto. Os mesmos cuidados não ocorrem com os medicamentos, onde o controle externo é eventual ou quando existe, como agora, alguma denúncia.
O problema é bem mais amplo. Nossas farmácias estão lotadas de produtos que nem sequer têm a inocuidade comprovada. É o caso de extratos de plantas, que podem conter substâncias tóxicas naturais ou ainda contaminadoras como inseticidas ou bactérias. Para a venda desses produtos, os laboratórios devem ser obrigados a testar cada partida. Alguns desses ensaios devem ter longa duração, pois os efeitos demoram a aparecer e, depois do grande incidente com a talidomida, que produziu milhares de crianças com anomalias graves, esses produtos devem obrigatoriamente ser testados em animais com gravidez.
É justo vender produtos apenas inócuos, enganando os seus usuários? Afinal foi isso que ocorreu com os comprimidos sem Microvlar. Qualquer propaganda enganosa é crime, mas quando se engana um paciente, que, em vez de ser tratado, continua doente e pode morrer, o crime é hediondo.
As revistas e televisões estão cheias de anúncios apregoando "remédios" não comprovados. A literatura médica mostra que vitamina C não previne resfriados e que grandes doses devem ser evitadas. Juntar magnésio não melhora a memória de uma pessoa normal com dieta usual. A cartilagem de tubarão contém cerca de mil vezes menos cálcio que o pó de ossos (que criadores de aves e gado usam para fornecer cálcio) ou que uma porção de queijo.
Obviamente, esses produtos devem ser retirados do comércio. Para dar um prazo para provar a eficácia, desde que provem a inocuidade, o Serviço de Vigilância Sanitária deveria obrigar o uso de uma tarja dizendo: "Não existe prova de que esse produto tenha ação como medicamento."


Isaias Raw, 71, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e presidente da Fundação Butantan. Foi diretor do Instituto Butantan (1991-97) e professor visitante do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (1971-73) e da Universidade de Harvard (1973-74)



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