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OPINIÃO
Remédios inócuos ou eficazes?
ISAIAS RAW
O problema recente com pílulas
contendo apenas farinha e a ampla
rede de falsificadores levanta o véu
dos problemas que enfrentamos
no setor farmacêutico.
Quando o Instituto Butantan
produz vacinas, além de submeter
suas instalações e procedimentos a
inspeção da Organização Mundial
da Saúde, realiza em cada lote
duas baterias de testes, no setor de
produção e, independentemente,
no setor de controle. As vacinas
são enviadas ao depósito da Funasa, onde o Instituto Nacional de
Controle de Qualidade coleta, ao
acaso, um número de frascos, que
submete de novo a testes que garantem a eficácia e a inocuidade
do produto. Os mesmos cuidados
não ocorrem com os medicamentos, onde o controle externo é
eventual ou quando existe, como
agora, alguma denúncia.
O problema é bem mais amplo.
Nossas farmácias estão lotadas de
produtos que nem sequer têm a
inocuidade comprovada. É o caso
de extratos de plantas, que podem
conter substâncias tóxicas naturais ou ainda contaminadoras como inseticidas ou bactérias. Para a
venda desses produtos, os laboratórios devem ser obrigados a testar
cada partida. Alguns desses ensaios devem ter longa duração,
pois os efeitos demoram a aparecer e, depois do grande incidente
com a talidomida, que produziu
milhares de crianças com anomalias graves, esses produtos devem
obrigatoriamente ser testados em
animais com gravidez.
É justo vender produtos apenas
inócuos, enganando os seus usuários? Afinal foi isso que ocorreu
com os comprimidos sem Microvlar. Qualquer propaganda enganosa é crime, mas quando se engana um paciente, que, em vez de ser
tratado, continua doente e pode
morrer, o crime é hediondo.
As revistas e televisões estão
cheias de anúncios apregoando
"remédios" não comprovados. A
literatura médica mostra que vitamina C não previne resfriados e
que grandes doses devem ser evitadas. Juntar magnésio não melhora a memória de uma pessoa
normal com dieta usual. A cartilagem de tubarão contém cerca de
mil vezes menos cálcio que o pó de
ossos (que criadores de aves e gado usam para fornecer cálcio) ou
que uma porção de queijo.
Obviamente, esses produtos devem ser retirados do comércio.
Para dar um prazo para provar a
eficácia, desde que provem a inocuidade, o Serviço de Vigilância
Sanitária deveria obrigar o uso de
uma tarja dizendo: "Não existe
prova de que esse produto tenha
ação como medicamento."
Isaias Raw, 71, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e presidente da Fundação Butantan. Foi diretor do Instituto Butantan
(1991-97) e professor visitante do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (1971-73) e da
Universidade de Harvard (1973-74)
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