São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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SAÚDE
Funcionária pública seleciona óvulos fecundados artificialmente para não ter filha com síndrome
Seleção de embrião evita mal hereditário

CLÁUDIA COLLUCCI
da Redação

A funcionária pública Silene Lopes, 37, portadora da Síndrome do X-Frágil, uma doença hereditária que causa retardo mental, conseguiu por meio de uma seleção artificial de embriões gerar uma filha saudável. Beatriz nasceu na última quinta-feira, na maternidade São Luiz, em São Paulo.
Pelos prognósticos médicos, Silene nunca poderia ter um filho homem normal e corria um sério risco de gerar uma filha com deficiência mental.
As duas irmãs de Silene também são portadoras da doença e têm dois filhos deficientes mentais. Ela descobriu a doença em 94, um ano antes de se casar. "Entrei em desespero. Pensei que nunca teria um filho meu", diz.
O caso de Silene é o primeiro no mundo em que a síndrome é controlada por meio de uma inseminação artificial, acompanhada de biópsia de embriões, segundo a US National Library Medicine, uma biblioteca americana que registra trabalhos científicos na área médica de todo mundo.
A seleção de embriões com a finalidade de evitar doenças genéticas é permitida pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), mas gera embates éticos.
Para o padre Léo Pessini, especialista em bioética, a ciência viabilizou formas de reprodução humana que tornaram possível a triagem humana para o descarte dos imperfeitos.

O processo
Silene se submeteu a uma fertilização in vitro em janeiro e produziu 11 embriões. Por meio de uma biópsia embrionária, os médicos descartaram os embriões do sexo masculino, que carregavam o gene da doença.
Foram implantados dois do sexo feminino, sendo que um deles se fixou na parede do útero. O tratamento de Silene custou R$ 7.000, mas, segundo a clínica, ela só pagou 50% dos custos.
Segundo o médico Eduardo Alves da Mota, da Clínica Hungtinton de reprodução humana, na 12ª semana de gestação, foi realizada uma biópsia na placenta em que se verificou que a menina não era portadora do gene da doença.

Síndrome
A síndrome, descoberta em 1991, está ligada ao cromossomo X- que determina o sexo feminino- e se manifesta quando não há a contraposição de outro cromossomo X saudável.
Por esse motivo é mais frequente e mais grave em homens, originados pela combinação de cromossomos XY.
Pessoas com defeito nesse gene apresentam deficiência intelectual em graus variados, segundo a médica Antonia Paula Marques de Farias, chefe do departamento de genética médica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Ela afirma que essa é a principal causa de retardo mental transmitida geneticamente.
Segundo Antônia, algumas mulheres são portadoras da doença porque têm um pequeno defeito no gene -a pré- mutação-, mas não mostram sintomas da síndrome, como Silene.
Não há estatísticas sobre a doença no Brasil. Segundo estimativas internacionais, 1 em cada 4.000 homens nasce com a síndrome.
A síndrome não tem tratamento específico. Os pacientes devem passar por tratamentos que melhorem seu potencial, como fisioterapia e fonoaudiologia, além de receber suporte psicológico.
O médico Antônio Henrique Pedrosa Neto, secretário-geral do CFM, participou da elaboração da resolução que estabelece regras para a fertilização artificial no país. "A finalidade é específica para se evitar a transmissão de doenças hereditárias", diz.
Ele afirma que o médico que usar a seleção de embriões para outros fins senão o terapêutico, poderá ser punido pelo CFM. A pena vai de advertência até a cassação do registro.





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