São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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DANUZA LEÃO

O que será que será

O desejo é misterioso, mais forte do que o amor e a paixão, e quando brota, as pessoas se transformam.
Os que se desejam não conseguem se olhar nem se falar de maneira natural e preferem, quando estão num mesmo lugar, ficar longe um do outro para que não haja entre eles nenhum contato físico, mesmo o mais inocente. Mas quando os olhares se cruzam, o ímpeto é de atravessar a sala, segurar a mão da pessoa desejada e sair com ela pelo mundo, seja para o que for.
Quando o desejo é muito forte -e desejo fraco não é desejo-, as pessoas, mesmo quando sós, ficam trêmulas e mudas. O desejo não deixa espaço para palavras e muito menos para risos. Não há humor no desejo, ele é sério; muito sério.
Diante do desejo, tudo desaparece: não existe nem mesmo sentimento entre pessoas que se desejam -nem precisa. No momento em que ele se instala, tudo desaparece e quem deseja com intensidade é capaz de todas as infâmias: de roubar, de trair, de matar. Os possuídos pelo desejo mentem despudoradamente, isso quando conseguem: só é possível mentir quando ele ainda não é tão forte, pois quando se torna avassalador, nem mesmo o melhor ator consegue disfarçar e fingir que ele não existe.
Quem está perto de duas pessoas que se desejam muito capta o que está acontecendo, e se sentem desconfortáveis, com a sensação de serem seres vazios, inúteis e supérfluos no universo. São as pessoas que não conhecem o desejo as que mais defendem a moral e os bons costumes; no fundo, apenas por inveja de não estarem sentindo a mesma coisa.
Não é o amor que move o mundo, mas o desejo, e se os humanos se desejassem mais não haveria tanta luta pelo dinheiro, pelas grifes, festas, jóias, pelo poder. Talvez nem mesmo as guerras existiriam; quem vive o desejo não pensa em outra coisa.
Os muito jovens desejam com muita facilidade muitas pessoas ao mesmo tempo, mas isso não tem nada a ver com o desejo verdadeiro, aquele intenso, maior do que tudo. Aquele desejo que faz com que se arrisque a vida para passar uma hora com a pessoa que se deseja muito. E que ninguém venha falar em nome da família, da religião, das convenções; o desejo não respeita nenhuma lei, e para os que desejam, é imoral e injusto não poder estar com a pessoa desejada o tempo todo.
Quanto mais difícil de ser realizado, mais forte costuma ser o desejo, que freqüentemente é confundido com amor ou paixão. Ele dura pouco, e é doloroso, depois que passa, ver duas pessoas que se consumiram tanto uma pela outra se encontrarem casualmente em algum lugar, sem lembranças nem saudades.
É o desejo -com licença, Chico- que faz com que "todos os meus nervos estão a rogar e todos os meus órgãos estão a clamar" e é ele que "não tem vergonha nem nunca terá, porque não tem juízo".
O desejo não vive de recordações nem de planos, nem de passado nem de futuro; ele só vive no presente, é sempre urgente, e nunca ninguém soube explicar como e por que ele surge, nem como nem por que ele desaparece.
Mas enquanto ele existe, é a força mais poderosa do mundo.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br

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