São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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URBANISMO

Para Joan Clos, prefeito de Barcelona, o modelo de cidade extensa está condenado por encarecer o serviço público

"SP tem de se tornar uma cidade compacta"

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A realização de megaeventos, como as Olimpíadas e as exposições universais, é o caminho mais curto para recuperar áreas urbanas degradadas. A conclusão é do prefeito de uma das cidades mais bem-sucedidas em converter degradação em urbanismo admirável: Joan Clos, 55, o médico epidemiologista que está à frente da administração de Barcelona desde 1997, em seu segundo mandato.
"Quando se sonha com a transformação de uma parte da cidade, é melhor ter um motivo contundente para somar esforços", diz. Com os megaeventos, segundo ele, o poder público e o setor privado conseguem trabalhar em uníssono, já que existem objetivos comuns.
Clos, filiado ao Partido Socialista Catalão, chegou na última quinta-feira a São Paulo para participar da reunião da CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos), entidade que reúne prefeitos de mais de cem cidades do mundo. Em entrevista à Folha, defendeu o modelo compacto de cidade, que vigora na Europa.
A "cidade esparramada", como ocorre nos Estados Unidos, é um modelo condenado porque é muito caro oferecer serviço público de qualidade em grandes áreas.
"Se as cidades não forem compactas, não serão sustentáveis", defende na entrevista a seguir:
 

Folha - Qual é a razão do sucesso de Barcelona na recuperação de áreas degradadas?
Joan Clos -
Barcelona é a capital da cultura catalã. É, portanto, uma cidade com vontade de afirmar-se como uma grande cidade, com um certo grau de excelência. Barcelona é, talvez, o produto mais visível da cultura catalã.

Folha - Foi com a Olimpíada de 1992 que a degradação começou a ser atacada?
Clos -
Não. A cidade adquire energia com certa periodicidade por meio da realização de grandes acontecimentos. Isso aconteceu no século 19 com a exposição de 1888, quando fizemos a primeira grande transformação de Barcelona. Com a exposição, houve um grande salto urbanístico em Barcelona. Na exposição internacional de 1929, aconteceu o mesmo. Desta vez se urbanizou Montjuic [área com morros no subúrbio]. Quando tivemos os Jogos Olímpicos, conseguimos virar a cidade para o mar e recuperar a frente marítima. Utilizamos esses grandes acontecimentos para transformar a cidade.

Folha - Como a prefeitura fez para atrair capitais privados nessas obras?
Clos -
O setor público e o setor privado coordenaram as suas intervenções e conseguimos trabalhar em uníssono. O setor público faz as obras públicas e o setor privado faz os hotéis, os centros de convenções, as indústrias.

Folha - Não é difícil atrair capital privado sem a promoção de grandes eventos?
Clos -
Depende de cada cidade. Quando se sonha com a transformação de uma parte da cidade, é melhor ter um motivo contundente para somar esforços e gerar os consensos necessários para fazer a transformação.

Folha - Dessa experiência de recuperação, há alguma lição que São Paulo possa aprender?
Clos -
Nós não pretendemos ensinar ninguém. Uma das coisas que aprendemos é que não há soluções gerais; todas as soluções são locais. Os modelos de cidade que existem são teóricos e o mais provável é que, se alguém segui-lo, vai se equivocar estrepitosamente. Tem de haver excitação local e vontade de mudar: vamos fazer algo grande. Com um grande evento, você consegue plasmar as energias. Isso aconteceu em Barcelona, Sydney ou Atenas.

Folha - Mas Sevilha tentou uma mudança com a exposição universal de 1992 e fracassou. Qual foi o erro?
Clos -
Sevilha, porém, já é uma cidade muito bonita e não tem grandes problemas. E toda a zona onde foi feita a Expo está agora cheia de novos projetos e acabará sendo uma grande área. Foram nos anos 50 e 60 que várias cidades quebraram ao fazer grandes acontecimentos. Isso foi por causa de um erro daqueles anos. Os planos eram feitos sem muito tino, sem sensatez. Agora já se sabe que não se pode fazer investimentos só para os Jogos Olímpicos, só para a Expo. É o contrário: você faz os investimentos para mudar a cidade e deixa que os eventos a utilizem por umas semanas ou meses. Foi a metodologia de Barcelona que mudou o sentido da construção dos grandes equipamentos olímpicos -não para os Jogos, mas para depois. Toda a arquitetura e o urbanismo precisam ser pensados para a cidade.

Folha - Os críticos da reformulação urbana de Barcelona dizem que por causa dela "a cidade é onde se enriquece mais rapidamente no mundo". Isso é verdade?
Clos -
Não. O que acontece é que antes do euro o preço dos terrenos em Barcelona era muito barato. Hoje, nas áreas mais caras da cidade, o metro quadrado custa 6.000 [cerca de R$ 21 mil]. É alto, mas é o mesmo padrão de Paris ou Londres.

Folha - O fenômeno mais comum quando se recupera uma área degradada é que os preços dos imóveis sobem e os mais pobres são expulsos para bairros mais distantes por causa da especulação. Como enfrentar esse tipo de perversão urbana?
Clos -
Em Barcelona só conseguimos recuperar várias áreas porque fizemos um acordo de que nenhum dos moradores teria de sair de onde morava. Aconteceu assim em toda a área perto do mar. Se não houvesse esse acordo, a reforma não sairia por causa dos protestos. O que acontece lá é que não chegam mais pobres a esses bairros porque os preços são outros. Mas os antigos moradores não são expulsos.

Folha - Há algum tipo de programa social para essas pessoas que não podem usufruir das áreas recuperadas?
Clos -
Claro. A Prefeitura de Barcelona investe em habitações públicas -20% das moradias feitas anualmente na cidade são públicas. Você não pode ter ilusões de que o mercado vá oferecer habitação para os mais pobres. Isso não acontece. Oferecer habitação para os mais pobre é uma função do poder público, assim como a educação e a saúde. São essas coisas que formam o Estado do bem-estar social.

Folha - De onde saem os recursos para investir em habitação?
Clos -
Das taxas que a prefeitura recebe nas áreas recuperadas. Quando se recupera uma área, aumenta automaticamente os tributos recolhidos ali, porque os preços sobem.

Folha - O sr. defende o modelo de cidade compacta, como é o caso de Barcelona e da maioria das cidades européias. Acha que é possível aplicar esse modelo em São Paulo, que se parece mais com as cidades americanas?
Clos -
As cidades americanas são assim porque havia muita terra e ela era barata. Por isso elas são esparramadas. Na Europa, como somos pobres, não temos como sustentar cidades tão grandes [ri da própria piada]. Nós temos séculos de história de cidades amuralhadas. Nesses locais, há um desejo de viver juntos e há também uma clara separação entre a cidade e o campo.
As cidades extensas precisam muito de carros, o que contamina o ar, e os serviços urbanos são muito caros. Por isso há muitas zonas onde não há serviços urbanos. Se você quer ter muitos serviços urbanos de muita qualidade, com metrô, calefação, escola, polícia e padaria a cinco minutos de sua casa, tem de estar numa cidade densa.

Folha - Mas isso é possível numa cidade esparramada de 10 milhões de habitantes?
Clos -
Eu vi aqui áreas que são muito densas. Compactação não quer dizer só cidade densa; quer dizer mais coisas. Creio que São Paulo e as cidades vão evoluir para a urbanização compacta. Se as cidades não forem compactas, não serão sustentáveis. A tendência são as cidades auto-contidas. As megalópoles terão núcleos contidos e muito bem conectados entre si, com espaços naturais vazios no meio. Só assim se evita a urbanização indiscriminada.

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