São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CORRIDA DE OBSTÁCULO

Cego desde os 13 anos, Mizael Conrado afirma que é preciso mudar a mentalidade das novas gerações

Para atleta, exclusão esconde preconceito

DA REPORTAGEM LOCAL

Os músculos ajudam a superar as barreiras físicas da cidade. Mas nem os atletas paraolímpicos escapam dos obstáculos invisíveis do preconceito.
O nadador Joon Sok Seo já perdeu a conta das vezes em que viu pessoas sem nenhuma deficiência usando vagas especiais de estacionamento em shoppings. "Eu não deixo barato e compro briga. É um abuso. O fulano desrespeita o uso da vaga porque não foi educado com a consciência de que eu preciso usar", reclama.
Já Mizael Conrado critica o que chama de política assistencialista. "Não queremos ônibus de graça, mas sim veículos adaptados. Precisamos de empregos qualificados, mas para isso é necessário que as escolas possam nos receber com uma atenção especial para que tenhamos boa capacitação e possamos disputar o mercado de trabalho em condições de igualdade", diz o atleta, que sentiu na pele as dificuldades para ingressar na carreira que escolheu.
Aprovado no vestibular de direito em uma faculdade privada, logo no primeiro dia de aula percebeu que a escola não oferecia nenhuma adaptação para cegos. "Não tive apoio dos professores nem dos colegas de classe. A minha sorte foi que consegui transferência rapidamente."
Na nova escola, Mizael tem material impresso em braile e acesso facilitado por rampas e elevadores, o que lhe dá as mesmas oportunidades dos outros alunos. É o que se chama "inclusão social". Mas para ir aos estádios acompanhar jogos do seu time, o São Paulo, ainda enfrenta a segregação, pois é constantemente obrigado a ficar na área reservada a deficientes. "Gosto mesmo é de ficar com a galera, na arquibancada. Mesmo sem ver o campo, curto a vibração e o barulho da torcida."
Mizael acredita que nunca vai existir uma sociedade totalmente despida de preconceitos. "Sempre haverá, seja contra negros, cegos ou gordos. Mas o que move minha luta é que a exclusão pode diminuir, e muito. Basta mudarmos a mentalidade das novas gerações com educação inclusiva", diz.
Cego desde os 13 anos em decorrência de cataratas e de um descolamento de retina, o garoto que queria ser jogador de futebol ostenta na parede de casa uma cascata de medalhas, entre elas a de melhor do mundo de futebol de 5 para cegos, em 1998. Agora, sonha com as Paraolimpíadas de Pequim, em 2008.
O nadador Joon tem adotado uma estratégia de risco desde que voltou de Atenas. Querendo maior mobilidade para andar pela cidade, tem deixado a cadeira de rodas em casa e sai às ruas com sua bengala, ainda que num andar desbalanceado. "Se São Paulo fosse como a vila olímpica, usaria mais a cadeira. Mas prefiro sofrer tombos com a bengala para ter mais independência", diz, na esperança de que a medalha ajude a derrubar preconceitos. "A paraolimpíada é uma vitrine do potencial humano."

Texto Anterior: Mortes
Próximo Texto: Candidatos prometem melhorar acesso
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.