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Juizes optam por aborto diante de gravidez indesejada, aponta estudo
De 207 entrevistados que tiveram parceiras que engravidaram "sem querer", 79,2% abortaram
Pesquisa da Unicamp junto com a AMB é a primeira a retratar a opinião pessoal dos que operam a lei brasileira
CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
Ao se confrontar com uma
gravidez indesejada, a maioria dos juízes opta pelo aborto, revela uma pesquisa da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em parceria com a AMB (Associação
dos Magistrados Brasileiros).
As informações constam
de um levantamento maior,
que investigou o que pensam
os magistrados e promotores
sobre a legislação brasileira e
as circunstâncias em que o
aborto provocado deveria ser
permitido no país.
Entre os 1.148 juízes que
responderam a questionários enviados pelos Correios,
207 (19,8%) relataram que já
tiveram parceiras que engravidaram "sem querer". Nessa
situação, 79,2% abortaram.
Das 345 juízas que participaram do estudo, 15% disseram que já tiveram gravidezes indesejadas. Dessas, 74%
optaram pelo aborto.
Apesar de não representar
a opinião da maioria dos magistrados (só 14% deles participaram da pesquisa), o trabalho é o primeiro a retratar a
opinião pessoal daqueles
que operam as leis sobre o
aborto, tema que ganhou força no debate eleitoral.
Os números refletem o que
outras pesquisas populacionais já constataram: diante
de uma experiência pessoal
com a gravidez indesejada,
grande parte das pessoas,
mesmo as que seguem alguma religião, entende que a situação justifica o aborto.
MORAL
Na avaliação da antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília, o dado revela uma questão básica sobre temas moralmente sensíveis: uma coisa é como as pessoas agem e
conduzem suas vidas, a outra é o que elas consideram
moralmente correto responder sobre o tema.
"Aos 40 anos, uma em cada cinco mulheres já fez
aborto no Brasil. Se perguntássemos a essas mesmas
mulheres se elas são favoráveis ao aborto, a resposta seria incrivelmente diferente e
contrária ao aborto", afirma
Diniz, também pesquisadora
da Anis (Instituto de Bioética
Direitos Humanos e Gênero).
Incoerência? Para a antropóloga, não. Ela explica que
temas com forte regulação
moral, em particular pelas
religiões, geram uma expectativa nas pessoas de haver
respostas "corretas", que indicariam que elas são "pessoas boas".
"Cria-se uma falsa expectativa de julgamento moral
do indivíduo. Por isso, um
plebiscito sobre aborto é algo
desastroso. As mulheres
abortam, seus companheiros
as ajudam e as apoiam, mas
ambos serão contrários à legalização do aborto."
Hipocrisia? Na opinião do
juiz João Ricardo dos Santos
Costa, vice-presidente de direitos humanos da AMB, sim.
"A sociedade é hipócrita e individualista. Não conseguimos nos colocar na condição
do outro."
Ele provoca. "Até padres
quando se veem em uma situação em que suas parceiras
engravidam optam pelo
aborto para manter a sua integridade religiosa [permanecer na igreja]. Os juízes são
como todas as pessoas. Têm
suas vivências e cargas de
preconceitos", diz ele.
A pesquisa com os magistrados e promotores, publicada na "Revista de Saúde
Pública", se baseou em questionários enviados a 11.286
juízes e 13.592 promotores,
por meio das associações que
representam as categorias. A
taxa de resposta entre os juízes foi de 14%, e entre os promotores, de 20%.
MÉDICOS
Seis anos atrás, o médico
Anibal Faúndes, professor
aposentado da Unicamp e
coordenador do estudo com
os magistrados e promotores, coordenou uma outra
pesquisa com seus colegas
de profissão, os ginecologistas e obstetras. Um total de
4.261 profissionais responderam a questionários enviados pela federação que representa a categoria (Febrasgo).
Um quarto das médicas e
um terço dos médicos relataram já ter enfrentado uma
gravidez indesejada.
A maioria (80%) optou pelo aborto. Mesmo entre os
profissionais para os quais a
religião era muito importante, 70% escolheram interromper a gravidez.
Quando a questão era a
gestação indesejada de uma
paciente, 40% dos médicos
disseram já terem ajudado a
mulher (indicando profissionais que faziam o aborto). A
taxa subiu para 48% quando
se tratava de um familiar e de
quase 80% quando se tratava da sua parceira.
"As mais profundas convicções se rendem frente a
circunstâncias absolutamente excepcionais. Todos somos contra o aborto, mas há
situações em que ele é um
mal menor", diz Faúndes.
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