UOL


São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VIOLÊNCIA

Uma rede formada por grupos do Rio quer conseguir 1 milhão de assinaturas para pedir mudanças nas leis penais

Mães de vítimas se unem para cobrar justiça

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Mães mostram cartazes de filhos que foram vítimas de algum tipo de violência no Rio de Janeiro


FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Mães de vítimas da violência no Rio criaram uma rede de organizações para cobrar justiça para os seus filhos, cujas histórias incluem morte, tortura, desaparecimento e prisão.
A mais nova campanha é a das Mães de Mãos Dadas contra a Impunidade, com pessoas de grupos já existentes. O objetivo é colher 1 milhão de assinaturas pedindo mudanças nas leis penais. Está prevista uma manifestação em Brasília no fim deste mês, com participação de mães de outros Estados. O movimento inclui grupos como as Mães Solidárias, as Mães da Cinelândia e a Afav (Associação de Familiares e Amigos de Vítimas de Violência), entre outras associações.
As mães do Rio de Janeiro deram o tom da visita da relatora da ONU (Organização das Nações Unidas) para execuções sumárias, Asma Jahangir, no início do mês. Numa audiência pública, elas relataram casos de mortes e de desaparecimentos, muitos nunca esclarecidos.
Além de articular a luta contra a impunidade, os grupos têm o objetivo de ajudar as mães a conseguir apoio jurídico -muitas famílias são pobres- e assistência médico-psicológica. É comum que as mães, com o sofrimento causado pela morte ou pelo desaparecimento dos filhos, entrem em depressão ou adquiram outras doenças. Muitas deixam de trabalhar. Outras são demitidas.
"Muitas passam a ser discriminadas porque estão sempre pensando no filho. Casais se separam. Tem mãe que começa a beber. O efeito da morte vai muito além da dor da perda, ele se estende por toda a vida da mãe", diz a pedagoga Regina Célia da Rocha Maia, 56, do grupo Mães Solidárias.
O filho da pedagoga, Márcio Antônio Maia de Souza, morreu em 1995, depois de ser confundido com um sequestrador numa ação policial. Tinha 25 anos. O inquérito ainda não foi concluído.
No grupo Mães Solidárias, ela coordena um projeto de artesanato. As mães produzem peças e as vendem em feiras.
Uma das características dos grupos é tentar retirar as mães de uma atitude passiva ou deprimida. A alternativa passa a ser uma mobilização constante, não só pelo próprio filho, mas também pelos das demais mães. O trabalho nas associações é voluntário.
Nos julgamentos dos policiais militares acusados pela chacina de Vigário Geral, em 1993, as mães das 21 vítimas recebiam apoio de mães de outros mortos.
É o caso, por exemplo, das Mães de Acari, como ficou conhecido o grupo de mães de 11 jovens desaparecidos no interior do Rio em 1990. Uma delas, Vera Lúcia Leite, ajudou na organização de outros grupos. Sofre hoje de uma doença pulmonar grave. "O médico diz que pode ser câncer, nem sei. Talvez eu morra sem ter notícias da minha filha", disse ela, que nunca soube o paradeiro da filha Cristiane, desaparecida aos 16 anos.
Vera Leite ajudou na organização das Mães da Cinelândia, um dos grupos mais conhecidos do Rio. Inspiradas nas Mães da Praça de Mayo, da Argentina (que lutam pelo esclarecimento de mortes e desaparecimentos durante o regime militar naquele país), as mães do Rio começaram a se reunir na Cinelândia, no centro.
Com o apoio do Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, o grupo ganhou a adesão de mães de jovens assassinados.
"A gente não cria um filho para alguém vir e matar", diz Maria do Carmo da Paz, 45, mãe do instalador de alarmes Jefferson Ricardo, morto em abril deste ano, atingido por uma bala perdida numa ação policial em Manguinhos.
As Mães da Cinelândia apareceram na novela "Explode Coração", de Glória Perez, exibida em 1995 pela TV Globo. Desde o assassinato da filha, a atriz Daniella Perez, em 1992, a novelista se engajou nos movimentos de mães. Glória será tema do samba-enredo da escola Unidos do Anil, do grupo C. As mães desfilarão.
O grupo Mães com Filhos em Conflito com a Lei surgiu em 2002, criado por pais de menores atendidos pelas unidades do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas), órgão estadual que cuida de jovens acusados de ilícitos penais. Coordenada hoje por um pai, Roberto Girard, a associação atende 230 famílias.



Texto Anterior: Menores: 59 internos escapam de unidade da Febem
Próximo Texto: Márcia, 42, teve o filho baleado
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.