São Paulo, sábado, 10 de novembro de 2007

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Apenas 1/3 dos alunos conclui o curso para entrar no Bope

Gritos e tapas são comuns nos 4 meses de formação dos "caveiras"; Wagner Moura quebrou nariz de capitão da reserva em minitreinamento para o filme DA SUCURSAL DO RIO O Curso de Operações Especiais (COEsp) do Bope é um rito de passagem, que cria a identidade nova de "caveira", segundo oficiais da PM e do Exército que coordenaram treinamentos do gênero.
Só um terço dos inscritos resiste aos quatro meses de pouco sono e assédio dos capitães Nascimentos da vida real.
Em 2002, o tenente PM Targa, 25, morreu de hipotermia em atividade na água.
É na "semana do inferno", que pode durar até os 15 primeiros dias de curso, que começa a "metamorfose". Os alunos perdem a identidade anterior: a cabeça é raspada, para ficarem parecidos, e cada um recebe um número.
Sofrem com déficit de sono, de alimentação e de conforto, exauridos por exercícios físicos constantes -o objetivo é que não pensem nisso em momentos críticos.
Toda falha é potencializada, aos gritos, de forma agressiva e ofensiva, para atacar os brios -apesar de o PM ser chamado de "senhor".

"Pede para sair!"
Em 16 edições, foram 151 formados, entre oficiais e sargentos -menos de 10 por curso. Já cabos e soldados foram 165 em 15 edições -média de 11. Ganham o broche de "Caveira" e vêem seu nome em um quadro de honra, na parede de um salão do Bope.
"O tapa na cara é tão básico... O curso testa os limites a todo momento. É pressão constante, e o Operações Especiais não pode reagir violentamente. Agressões morais e físicas são "naturalizadas". É comum, em encontro de "caveiras", que um dê tapa na cara do outro, de brincadeira. Naturaliza-se a adversidade", afirma o ex-capitão do Bope Storani, coordenador de um COEsp.
O objetivo, justifica, é formar PM com "agressividade controlada, controle emocional, disciplina consciente, espírito de corpo, flexibilidade, honestidade, iniciativa, lealdade, liderança e perseverança" -esses são os "mandamentos" pintados na parede.

Só voluntários
"Ninguém pede que venha, só temos voluntários, e meu trabalho é transformá-lo em um profissional de elite", diz o atual comandante do Bope, Pinheiro Neto, ex-instrutor.
O Curso de Ações Táticas (CAT), uma porta de entrada do Bope que formou 449 PMs, é menos árduo e dura cinco semanas, mas segue princípios semelhantes -embora sejam enfatizadas ações táticas, como de resgate de reféns e patrulhas em favelas.
O coronel da reserva do Exército Cláudio Barroso Magno, comandante do contingente brasileiro no Haiti até junho, perdeu dois dedos da mão direita em combate contra a organização Sendero Luminoso, durante um curso de Comandos (semelhante ao COEsp), no Peru.
Barroso Magno, que reformulou o Curso de Comandos do Exército em 2000 e 2001 -como comandante do Batalhão de Forças Especiais-, diz que o objetivo é selecionar lideranças e testar a resistência psicológica e física, e a coragem física e moral do soldado.
"A lógica é levar o cara ao limite porque ele passa a se conhecer, mostra virtudes e atitudes que podem contra-indicá-lo. Então, leva muita porrada mesmo. Bate na cara, com a mão mesmo. Apanhei muito", relata o coronel.
Storani relata que a rusticidade do treinamento dificulta a readaptação à vida normal de gente que passa por ele. "Passei uma semana dormindo no chão. Acordava de madrugada para arrumar a mochila, equipamento, para correr. Não era só eu, é recorrente. Tem gente que dorme no chão até hoje."

Ator enfurecido
O capitão da reserva preparou os atores de "Tropa de Elite" e teve o nariz quebrado por Wagner Moura, o capitão Nascimento, em acesso de fúria, durante minitreinamento.
"Eu o subestimei, não sabia que fazia boxe tailandês, errei. Mas não me matou: doeu, sangrou à beça, coloquei o nariz no lugar, ele machucou a mão, mas acontece. Potencializa-se o estresse físico, o que deixa a pessoa mais sensível à irritação e à agressão psicológica", disse.
O ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM de São Paulo, afirma que "absurdo é enfrentar tiroteio".
"Nada do treino dá minimamente o cagaço do cara sente quando chove bala. Ele aprende a obedecer a ordens com rapidez. Não se pode pôr na lousa, no PowerPoint. É para ver quem tem estrutura emocional. Democracia é no Congresso", ri Silva Filho.


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