São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOACYR SCLIAR

A casa dos sonhos


Era relativamente pequena, mas muito bonita, situada junto a um bosque e a um pitoresco riacho

Brasileiro nos EUA perde casa e trabalho. O estouro da bolha imobiliária e a paralisação do mercado de construção de novas residências nos EUA atingiu em cheio uma das maiores comunidades de brasileiros nos EUA, na cidade de Newark, no Estado de Nova Jersey. Nos últimos meses, dezenas de famílias deixaram Newark, muitas para voltar ao Brasil. Entre os brasileiros, a maioria dos homens trabalha ou trabalhava na construção. Eles não só perderam os empregos. Agora, perdem, em massa, as suas casas.
Mundo, 2 de novembro de 2008

COMO MUITOS brasileiros, Josimar acreditou no sonho americano. E, como muitos brasileiros, foi atrás desse sonho. Deixou no Brasil a mulher e os dois filhos, um de dez e outro de oito, empregou suas últimas economias numa passagem para os Estados Unidos e foi -com a cara e a coragem, como se costuma dizer, porque nem mesmo inglês ele falava direito. Mas confiava na sua capacidade de trabalho, confiava na sua determinação e, claro, confiava na sorte que, tinha certeza, não o abandonaria. E não estava errado ele. Radicado em Newark, como tantos outros brasileiros, Josimar não tardou a encontrar um emprego na indústria de construção. Ele era eletricista, bom eletricista, e naquele momento milhares de casas estavam sendo levantadas -e essas casas precisavam de rede elétrica, coisa que ele sabia providenciar como ninguém. E assim trabalhou na edificação de várias residências, em geral padrão classe-média. Pareciam-lhe todas iguais, mas uma delas mexeu com ele. Era uma casa relativamente pequena, mas muito bonita, situada junto a um bosque e a um pitoresco riacho: a casa de seus sonhos. "Esta casa vai ser nossa", escreveu à mulher. Procurou o construtor. O preço não era barato, mas ele podia conseguir, facilmente, um empréstimo. Assinou os papéis e de repente viu-se proprietário de uma residência na costa leste dos Estados Unidos. A partir daí, passou a mandar, via internet, fotos da casa. Mais que isso, já discutiam como iriam decorá-la, o que fariam no pequeno jardim.
Josimar anotava tudo em uma caderneta que era, como ele dizia, "o diário da casa".
E então, exatamente quando a construção chegava ao fim, a bolha imobiliária estourou. Josimar ficou sem emprego, e já não podia pagar a elevada prestação da casa, que foi tomada pelo banco. Mal conseguiu arranjar dinheiro para voltar ao Brasil.
No avião, chorou muito, pensando em como daria a notícia à família. E foi então que lembrou do "diário da casa", a caderneta em que anotara as idéias sobre o que fazer na residência e que, na falta de um lugar melhor, ele guardava no oco de uma árvore do jardim. A rigor, não precisava mais daquilo e era pouco provável que alguém descobrisse a caderneta.
A não ser o esquilo. O esquilo que ele muitas vezes via correndo pelo pátio ou subindo na árvore e a quem dava castanhas. O esquilo talvez encontrasse o diário oculto. Talvez até o comesse, agora que já não tinha castanhas. O que, para Josimar, era uma espécie de consolo. De alguma forma seus sonhos permaneceriam vivos. Ainda que num pequeno e modesto roedor.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


Texto Anterior: Saiba mais: Blitze na capital caem após 4 meses
Próximo Texto: Consumo: Aluna da Uninove diz que não consegue cursar dependência
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.