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Bumba-meu-boi e outras tradições culturais querem ser "tombadas"
Itens como acarajé já têm status, dado por órgão do Ministério da Cultura
MATHEUS PICHONELLI
THIAGO REIS
DA AGÊNCIA FOLHA
A linguagem dos sinos das cidades históricas de Minas, o
bumba-meu-boi maranhense e
o circo de tradição familiar travam uma "disputa" para ganhar
o status concedido a um seleto
grupo do qual fazem parte o
queijo minas, a capoeira e o
samba de roda baiano.
A "lista de espera" para entrar nos livros de registro de
bens imateriais do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional), órgão do
Ministério da Cultura, tem
atualmente 13 candidatos.
Até hoje, só 15 bens receberam o status. O registro é um
instrumento do governo federal para identificar, reconhecer
e preservar determinada manifestação cultural e, assim, pautar políticas públicas.
Entre os já registrados estão
ainda o Círio de Nossa Senhora
de Nazaré, o acarajé e o frevo.
Para virar bem imaterial, o
"candidato" passa pelo crivo de
especialistas após pedido feito
por entidades representativas.
"Não vamos colocar a comunidade numa redoma, mas podemos garantir que formas de
transmissão de conhecimento
continuem", diz Ana Guita de
Oliveira, gerente do Departamento de Patrimônio Imaterial
do Iphan, criado há cinco anos.
"A julgar pelos bens [materiais] tombados, alguém de fora
imaginaria que o Brasil é só
branco, católico, de elite. Os registros [imateriais] ajudam a
superar a falsa consciência."
Apesar de recente, o registro
de bens imateriais já "salvou"
atividades, como o ofício das
paneleiras de Goiabeiras, em
Vitória (ES), de mais de 400
anos. Quando o bem ainda passava pelo processo de inventariado no Iphan, o governo do
Estado decidiu implantar uma
estação de tratamento de esgoto no meio do vale do Mulembá,
onde elas extraem o barro.
As paneleiras conseguiram
que a estação fosse deslocada.
"A panela ficou mais valorizada", diz Marinete Correa, 54. O
ofício foi o primeiro bem imaterial registrado, em 2002.
Outro caso, diz Oliveira, foi
na Amazônia, onde o reconhecimento da cachoeira de Iauaretê (AM), por ser considerado
lugar sagrado, garantiu aos índios a repatriação de 108 ornamentos guardados em museu.
Segundo o antropólogo e
professor de história da Unicamp Pedro Paulo Funari -um
dos autores do livro "O que É
Patrimônio Cultural Imaterial"-, essas manifestações resistiram em países periféricos;
já os países ricos valorizam as
"grandes obras da civilização".
"O patrimônio imaterial não
se define pelo excepcional. São
manifestações coletivas, populares e não assinadas. Não há
nos EUA algo como a capoeira.
O jazz é valorizado porque é útil
à indústria cultural."
Ele diz, porém, que ainda falta legislação clara que defina
atribuições de Estados, municípios e empresas sobre o tema.
"É difícil ainda pensar em políticas públicas para viabilizar a
cultura sem que ela seja carnavalizada", diz. "Há risco de que
as pessoas tentem transformar
em bem imaterial o que é da indústria. Isso não vai ser aceito."
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