São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

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MORTE DE DENTISTA

Dois dos envolvidos no assassinato de Sant'Ana passaram a cabo e tenente mesmo sendo alvo de investigação

Sob suspeita, policiais foram promovidos

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Dois policiais militares suspeitos da morte do dentista Flávio Ferreira Sant'Ana, 28, foram promovidos recentemente apesar de já terem sido alvo de investigação por causa de homicídios ocorridos em circunstâncias semelhantes ao caso de Sant'Ana.
O dentista, que era negro, foi morto com dois tiros no último dia 3, em Santana (zona norte de SP), após ser confundido com um ladrão. Seis PMs estão presos, acusados de forjar a versão de que o dentista foi morto após reagir.
Ontem, as polícias Civil e Militar foram informadas extra-oficialmente, pelo Instituto de Criminalística, que o laudo do exame residuográfico realizado nas mãos de Sant'Ana deu negativo. O resultado é uma prova a mais de que o dentista não atirou, como afirmaram os PMs.
Antes da morte de Sant'Ana, pelo menos três dos cinco PMs envolvidos na ação -o sexto teria ameaçado a vítima do roubo para que identificasse o dentista- já tinham sido denunciados pela Ouvidoria da Polícia de São Paulo. Ninguém foi afastado.
As denúncias, de 2000 a 2003, resultaram em cinco inquéritos policiais, que apuraram situações muito semelhantes.
Os mortos são sempre ladrões em fuga, que são reconhecidos pelas suas vítimas. Os perseguidos sempre atiraram primeiro. Em todos os casos, os PMs também acham um revólver de numeração raspada que seria de um dos supostos criminosos.
O PM Carlos Alberto de Souza, que comandou a equipe que abordou Sant'Ana, era aspirante a oficial no dia 20 de janeiro de 2003, quando participou de uma ação que terminou na morte do serralheiro Geraldo Meneses Souza, 22, no Jaçanã (zona norte).
O grupo de cinco PMs apurava o assalto a um bingo. Souza, um dos supostos ladrões, levou quatro tiros -um deles nas costas. O caso foi denunciado à Ouvidoria, que pediu investigação. Depois de uma investigação inicial da polícia, o inquérito foi arquivado a pedido do Ministério Público, que considerou não ter provas para denunciar o PM. Souza tornou-se tenente.
"Para mim, isso é uma falha do Ministério Público. Existe uma suspeita de execução e, quando ela existe, o promotor tem de denunciar o PM suspeito à Justiça. O pedido de arquivamento pode ser feito na fase da pronúncia [fase posterior, depois dos depoimentos iniciais, quando o juiz decide pela procedência ou não do caso]", disse o ouvidor da polícia, Itajiba Farias Ferreira Cravo.
O policial Ricardo Arce Rivera, outro envolvido na morte do dentista, era soldado quando, em 2000, se envolveu em dois casos de "resistência seguida de morte" que, segundo o ouvidor, têm muitas características semelhantes com a morte de Sant'Ana.
Nas duas ocorrências, os dois mortos eram ladrões de carro em fuga. Também nos dois casos, as vítimas reconheceram os mortos como os criminosos que os roubaram. Os inquéritos policiais foram arquivados a pedido da Promotoria, que também considerou não ter provas para denunciar o PM à Justiça. Rivera foi promovido a cabe e nem sequer foi afastado, segundo a Ouvidoria.
Dos cinco inquéritos abertos a partir de denúncias do ouvidor, apenas dois -contra o soldado Ivanildo Soares Cruz, outro envolvido na morte do dentista- ainda estão em andamento. "Só esses dois processos já seriam suficiente para afastá-lo da rua", diz Cravo. Ele pretende reencaminhar os casos para o Gecep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), do Ministério Público.
Para o corregedor da PM, coronel Paulo Máximo, o veto a uma promoção ou o afastamento de um policial, mesmo alvo de IPM (Inquérito Policial Militar) ou de inquérito civil, é uma condenação antecipada.
"É preciso esperar pela Justiça. Não é só por que ele responde um IPM que deve ser afastado", diz o corregedor. Ele ressalta que os PMs com prisão decretada tiveram elogios registrados em suas fichas funcionais por serviços prestados nos últimos anos.
O promotor Carlos Cardoso, assessor de direitos humanos da Procuradoria Geral de Justiça, afirma que um promotor não pode denunciar um policial sem materialidade sob pena de processar um inocente e cometer um abuso de autoridade.


Colaborou o "AGORA"


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