São Paulo, domingo, 11 de março de 2001

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CIDADANIA

Programa existe há oito anos em MG; participantes precisam estudar e recebem bolsa que varia de R$ 65 a R$ 138

Circo tira crianças da rua em Belo Horizonte

PAULO PEIXOTO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

Circo de Todo Mundo. É esse o nome de um projeto que há quase oito anos tira crianças das ruas de Belo Horizonte oferecendo arte circense e atividades lúdicas.
Criado pela ONG (organização não-governamental) Projeto Recreação, com apoio do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, o circo deu frutos e recebeu apoios.
Agora, 25 crianças e adolescentes viajam pelo interior de Minas para apresentar o primeiro espetáculo, intitulado "Na Corda Bamba", mostrando acrobacias, malabarismos e encenações. Todo o projeto, no entanto, tem 200 meninos e meninas de rua e da periferia que fazem recreação e aprendem o ofício circense.
Anteontem, na capital mineira, o Circo de Todo Mundo apresentou parte do espetáculo, que ganhou o nome "Circulando", no Seminário Brasileiro de Crianças e Adolescentes Trabalhadores. O evento termina hoje com a divulgação de um documento enfocando o trabalho infantil.
O circo é a vida dos ex-meninos e meninas de rua que integram o grupo principal e participam da montagem atual do espetáculo. Cada um recebe uma bolsa, que varia de R$ 138 (período integral) a R$ 65 (meio período), e estuda, condição para continuar no circo -quem for reprovado na escola perde a bolsa.
O projeto é sustentado pela Caritas francesa (ligado à Igreja Católica) e pelo Instituto Telemig Celular. São 30 profissionais, entre psicólogos, pedagogos, sociólogos e instrutores circenses.
Antes, eles catavam latinhas e papéis nas ruas, vendiam produtos como balas e picolés, pediam esmolas em semáforos ou viviam no mundo da Febem. No histórico de alguns deles, constam pequenos furtos e drogas.
"Em vez de estar nas ruas mexendo com drogas, estou aqui nesse lugar, que me ensinou muito", disse E.C.G.P., 17, um dos acrobatas que passou pela Febem.
O projeto reintegrou também os jovens artistas às suas famílias. E ainda adotou a prática de unir as crianças marginalizadas às da comunidade onde está instalado o galpão do projeto, no bairro do Horto (zona leste).
Parte do grupo que integra o projeto (20%) é formado por gente da comunidade local. Stefani Magno, 13, que vem de uma família estruturada e cujo pai é engenheiro, há dois anos convive com os ex-meninos e meninas de rua. Vivem o cotidiano dos treinamentos e viajam juntos para as exibições pelo interior.
"Me contam que o circo mostrou a eles que existe disciplina e que estudar é bom. Eles me dizem que não sentiam na rua o que sentem aqui: carinho e apoio. Convivendo com eles, eu também aprendi muito e tenho carinho por todos", disse Stefani.
Eid Ribeiro, diretor artístico, com formação em teatro, afirma que se impressiona com a determinação e a vontade dos garotos. Combinando arte circense e música, ele criou o chamado "novo circo", que mistura malabarismos e dramaturgia. É nessa linha que o Circo de Todo Mundo progrediu.
"As crianças, no começo, tinham dificuldades para se concentrar, eram agitadas. Essa arte e a música ensinaram muita coisa a eles. Crianças com reduzida coordenação motora surpreenderam a muitos de nós", disse.
Ribeiro se refere às irmãs gêmeas Juliana e Júlia, 18, que integram o grupo principal. Filhas de catadores de papel, as duas e outra irmã, Janete, 16, formam o grupo de seis meninas malabaristas. Trabalham com argolas, clavas, bolas e diabolô (uma espécie de ioiô), com ou sem fogo.
"Isso aqui é ótimo, é legal demais", disse Júlia, que, com as irmãs, catava latinhas e pedia ajuda pelas ruas da capital mineira.
Com os artistas sendo formados, o Projeto Recreação quer buscar intercâmbios com circos profissionais para dar chance de os meninos se profissionalizarem.

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