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São Paulo, terça-feira, 11 de março de 2003

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RECURSOS PÚBLICOS

Em 2001, piso de investimentos no setor foi desrespeitado por 17 unidades da Federação

Estados retêm R$ 1 bilhão da saúde

Américo Vermelho/Folha Imagem
Hospital Carlos Chagas, do governo do Rio, Estado que deixou de investir R$ 251 milhões em saúde


FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Levantamento do Ministério da Saúde mostra que 17 das 27 unidades da Federação deixaram de aplicar, juntas, mais de R$ 1 bilhão em ações e serviços de saúde em 2001, descumprindo a emenda constitucional número 29, de 2000 -que determina quanto a União, os Estados e os municípios devem investir no setor.
O valor, a título de comparação, seria suficiente para sustentar todas as atividades de saúde executadas pelo município de São Paulo durante o ano de 2001.
Rio de Janeiro, Paraná, Maranhão e Minas Gerais são os Estados que tiveram os piores desempenhos. Parte dos Estados desconsidera a avaliação, por não concordar com os critérios.
A despesa total de todas as unidades da Federação com saúde em 2001 foi de R$ 8,3 bilhões, 23,3% superior à de 2000.
O Maranhão, então governado por Roseana Sarney (PFL), investiu apenas R$ 34,5 milhões em 2001, 22% do que deveria. O Paraná, onde alas novas de hospitais estão sem funcionar, colocou menos da metade do esperado. O governador era Jaime Lerner (PFL).
O Rio de Janeiro, então ainda sob a administração de Anthony Garotinho (PSB), deixou de aplicar mais de R$ 251 milhões. Segundo avaliação de membro do Conselho Estadual de Saúde, isso acarretou problemas de desabastecimento e infra-estrutura que perduram até hoje.
Nas regiões Sul e Centro-Oeste do país nenhuma unidade da Federação cumpriu a emenda. No Sudeste, somente São Paulo e Espírito Santo o fizeram. No Nordeste, os cumpridores foram Paraíba e Pernambuco. No Norte, que teve o melhor desempenho, só o Amapá "deve" à saúde.
"O não-cumprimento quebra a sequência de investimentos previstos. Não adianta construir hospital e não equipar. A saúde exige continuidade", diz Elias Antônio Jorge, coordenador-adjunto da comissão de orçamento e financiamento do Conselho Nacional de Saúde.
Essa é a primeira vez que o ministério divulga o valor não-investido desde a promulgação da determinação constitucional, apesar de o levantamento estar disponível desde o ano passado.
O diagnóstico foi realizado com base em dados declarados pelos Estados ao Siops (Sistema de Informação sobre Orçamentos Públicos em Saúde) e análise dos balanços dos governos, quando esses não apresentaram relatórios.
A análise não é uma auditoria, mas serve para subsidiar o controle social e deverá amparar o Ministério Público Federal, que entrou com ações exigindo que as unidades da Federação comprovem o cumprimento da emenda.
Para o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Jorge Solla, o mau desempenho dos Estados deve ser discutido nas instâncias de negociação do SUS.

Pente fino
Os técnicos da coordenação de orçamentos do ministério passaram um "pente fino" nas declarações dos Estados. "Os Estados colocam tudo para demonstrar que estão cumprindo a emenda", diz Paulo César Malheiros, assessor-técnico da coordenação.
Gastos com inativos, empresas de saneamento, habitação urbana, recursos hídricos, merenda escolar, alimentação de presos, hospitais de "clientela fechada" (como hospitais de servidores estaduais) foram incluídos indevidamente como despesas em ações e serviços de saúde na prestação de contas de 2001, feita ao ministério em meados do ano passado.
Já havia então parâmetros claros e acordados com os Estados e seus tribunais de contas que vetavam esses expedientes, segundo entendimento do ministério. Com os artifícios, os Estados atendiam a meta de despesa.
Exemplos disso não faltam: o governo do Paraná incluiu gastos do IML (Instituto Médico Legal) como despesa de saúde. O Distrito Federal embutiu despesas com habitação na conta.
"Era um momento de adaptação. Alguns Estados não tiveram condições [de cumprir a emenda" por compromissos assumidos antes. Mas o Maranhão, em oito anos, foi um dos Estados com maior redução da mortalidade infantil", disse o gerente de Qualidade de Vida do Estado, Abdon José Murad Neto, em uma defesa da administração anterior -Roseana apoiou o governador José Reinaldo Tavares (PFL).
A avaliação sobre os desempenhos dos Estados em 2002 ainda não foi concluída pelo ministério.
Dos 5.559 municípios, 3.926 já apresentaram dados suficientes para a análise do seu desempenho. O resultado é bom: dos 3.926, 69,1% cumpriram a emenda, segundo o ministério. Os que descumpriram, deixaram de aplicar R$ 309 milhões. Menos de 10% da população reside nas cidades que não enviaram dados.
Estudos do Ministério da Saúde já apontavam, em 2001, possíveis dificuldades para a implementação da emenda pelos Estados. Isso porque, em 1999, o percentual médio de gastos desses com a saúde era de 7,32% das receitas, bem inferior aos 12% fixados pela emenda como gasto mínimo para 2004. Já se alertava, na época, para o risco de governadores incluírem qualquer coisa como gasto de saúde para atender à exigência. Os temores se confirmaram.


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