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São Paulo, terça-feira, 11 de março de 2003

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VIOLÊNCIA

Ouvidoria das Polícias de São Paulo diz ter indícios de ação de grupo de extermínio de adolescentes na cidade

Jovem desaparece após suposta detenção em Guarulhos

ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quatro adolescentes correm da polícia na periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo. É madrugada. Tiros. Dois escapam. Um entra embaixo de uma van, vê Rodrigo Isac dos Santos, 17, ser alcançado, detido e colocado em um carro da Polícia Militar.
A correria, os disparos e o barulho do rádio da polícia acordam a dona-de-casa M., 43, preocupada com o filho que estava para chegar do trabalho. A prisão ocorre em frente à casa dela.
Por uma fresta do muro, ela vê Rodrigo ser colocado no compartimento traseiro da Land Rover. Há outros dois carros da PM no bairro. Pelo rádio, o Copom (Centro de Operações da Polícia Militar) cobra, por duas vezes, informações do caso. Nada.
Quando retomam contato, um soldado diz que já estavam desistindo do patrulhamento, sem encontrar o suposto furto de fios.
Houve interferência no rádio dos policiais quando eles estavam no bairro. Era como se tivessem deixado apertada a tecla do comunicador, de propósito, segundo relatório da Corregedoria, para atrapalhar a gravação dos diálogos entre as equipes.
Há um ano e três meses, Rodrigo está desaparecido. Não tinha passagem pela Febem. Não há registro oficial de sua prisão em 19 de novembro de 2001, testemunhada pela vizinha e por um amigo. O corpo não foi encontrado.
Ao reconstruir o caso, a Folha encontrou mais dois desaparecimentos misteriosos, que teriam ocorrido em blitze policiais. Com medo, parentes não levaram o que apuraram para a delegacia.
Para o ouvidor das polícias de São Paulo, Fermino Fecchio, esses casos indicam uma possível ação de grupo de extermínio em Guarulhos. "O processo é muito semelhante ao de Ribeirão Preto [onde há investigação"", disse.

Suspeitas
O depoimento dos policiais envolvidos é contraditório sobre o que ocorreu naquela madrugada na Vila Isabel. Dos sete policiais que estiveram lá, seis disseram que não houve prisão nem tiros. Apenas um cabo, recém-transferido, confirmou ter visto um ""vulto" dentro de um dos carros.
Em 6 de dezembro, a Justiça Militar mandou prender os policiais -um sargento e cinco soldados-, a pedido da Corregedoria.
A versão do cabo batia com o depoimento da dona-de-casa e do amigo de Rodrigo, testemunhos localizados pelo pai da vítima, Elias Isac dos Santos, 45, um ex-segurança que se tornou ""detetive" após o sumiço do filho.
No mesmo dia da prisão, Santos foi orientado pela PM a ir ao IML (Instituto Médico Legal) de Suzano procurar um corpo encontrado em Itaquaquecetuba (Grande SP). Faltava confirmar o crime.
Não o achou. Pesquisou laudos de cadáveres de pessoas enterradas como desconhecidas. Selecionou seis e passou a buscar fotos deles no Instituto de Criminalística. Em apenas um caso não achou registro na delegacia.
Passou então a procurar boletins de ocorrência na delegacia de Itaquaquecetuba. Com a ajuda de policiais civis, localizou um registro de um corpo encontrado pela PM na estrada do Bonsucesso, altura do 3.070 -a dez minutos de carro de onde seu filho sumiu.
Enquanto isso, os seis PMs foram liberados por falta de provas -não tinham sido reconhecidos pelas testemunhas, o corpo não foi encontrado e ninguém viu se houve assassinato. Com medo, o cabo que denunciara o grupo pediu transferência para o interior.
Um pé de tênis, encontrado por Santos em 28 de dezembro de 2001 num matagal -onde a PM achou o corpo-, deu novo rumo ao caso. A peça foi reconhecida pelo amigo de Rodrigo, Marcos Nascimento Melo, 22, que havia emprestado a ele o tênis.
A descoberta de Santos levou o Ministério Público a pedir a exumação do corpo da estrada do Bonsucesso, que já havia sido enterrado. O resultado do DNA, porém, divulgado em setembro passado, acabou com a pista. ""Podem ter trocado o corpo do meu filho", afirmou, depois de saber do resultado do DNA.
No final do ano passado, o ex-segurança conseguiu abrir outra frente de investigação, com o apoio do Ministério Público de Guarulhos, que já acompanha outros crimes supostamente cometidos por policiais. Santos descobriu que o corpo do local do tênis havia demorado sete dias para entrar no IML, após a PM o achar.
Acompanhado do promotor Neudival Mascarenhas Filho, de Guarulhos, o pai de Rodrigo esteve no IML de Suzano, onde constava a entrada do corpo no dia 14 de dezembro, sete dias após o registro de boletim de ocorrência na delegacia de Itaquaquecetuba.
A Promotoria pediu a abertura de inquérito à Delegacia Seccional de Guarulhos. Conforme a investigação, o IML diz que cometeu um erro de registro, que o corpo dera entrada no mesmo dia. Os PMs negam o crime, repetindo o que disseram à Corregedoria.
"Só quero saber o que aconteceu com meu filho", disse Santos, que montou em casa um escritório improvisado para pedir ajuda a entidades de direitos humanos, ao Judiciário e à imprensa.


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