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Doente mental morre mais cedo
Psiquiatra John Newcomer, da Universidade de Washington, liga mortes ao uso de certos remédios
Diversos estudos associam drogas psiquiátricas mais modernas a ganho de peso, alta do colesterol, diabetes e problemas cardiovasculares
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
Pacientes com problemas
mentais estão vivendo menos
do que o restante da população,
e as drogas psiquiátricas podem estar por trás dessas mortes prematuras.
A hipótese é que os mesmos
remédios que permitem a uma
pessoa com doença psiquiátrica controlar sintomas dolorosos para ela e a família (mania
de perseguição, alucinações)
ocasionem ganho de peso, diabetes, alta do colesterol e até
uma morte prematura por infarto se o paciente não tiver o
acompanhamento adequado.
O alerta foi feito na semana
passada pelo professor de psiquiatria da Universidade de
Washington (EUA) John Newcomer, especialista em reações
adversas dessas drogas, em visita ao Brasil.
Ele falou sobre a necessidade
de monitoramento do uso dos
remédios -parte dos psiquiatras só aprende a se preocupar
com o paciente do "pescoço para cima", diz. Newcomer também foi ao Ministério da Saúde.
"Pacientes com doença mental estão perdendo 25, 30 anos
de vida em média, morrendo
nos EUA e em países em desenvolvimento aos 50, quando deveriam morrer com 70 e pouco
anos. Alguma coisa está acontecendo", afirmou Newcomer.
Além de professor, ele também é revisor do periódico
científico "New England Journal of Medicine". O docente já
fez trabalhos para laboratórios
farmacêuticos e sua viagem ao
Brasil foi a convite de uma editora de livros científicos.
"Há alguns dados que apontam que mortes por doença
cardiovascular estão crescendo
em pessoas com esquizofrenia
com o passar dos anos, enquanto na população em geral nos
EUA a mortalidade por doença
cardiovascular está caindo".
O foco de sua preocupação
são remédios antipsicóticos de
segunda geração, mais modernos, como a clozapina, olanzapina, risperidona e quetiapina
(vendidas no Brasil), utilizadas
desde o início dos anos 90 contra doenças como a esquizofrenia e o transtorno bipolar -há
cerca de 5 milhões de portadores das doenças no país.
Mas alguns antipsicóticos
mais antigos, como a clorpromazina, existente desde os
anos 50, não estão livres dos
efeitos adversos, afirma.
Segundo Newcomer, já há diversos estudos que apontam a
relação entre o uso de antipsicóticos e os problemas cardiovasculares e metabólicos -ainda não se sabe a causa. Pacientes chegam a engordar 5 kg em
dez semanas de tratamento.
Para o professor, são dados
mais contundentes do que uma
outra linha de pesquisa, que
aponta que a própria doença
psiquiátrica poderia trazer os
problemas cardiovasculares.
"Temos muito pouca evidência
de que a doença ou o estilo de
vida levem a isso."
No início do ano, um dos fabricantes de drogas de segunda
geração, a Eli Lilly, decidiu pagar US$ 500 milhões (R$ 1,1 milhão) a 18 mil pacientes no EUA
para evitar processos de pessoas que diziam ter desenvolvido diabetes e outras doenças ao
usarem olanzapina (Zyprexa).
Os laboratórios, diz Newcomer, vêm fazendo alterações
nas bulas para incluir alguns
possíveis efeitos adversos (não
todos). "Não foi o bastante".
Em duas semanas, as sociedades brasileiras de endocrinologia e diabetes, entre outras,
que estiveram reunidas com o
professor, pretendem lançar
um guia para médicos e pacientes sobre os remédios.
A idéia é seguir o que foi feito
nos EUA em 2003 e em outros
países: especificar os exames de
acompanhamento que o paciente tem de fazer enquanto
usa os remédios -colesterol,
níveis de açúcar no sangue -e
também a periodicidade.
O próprio Newcomer, no entanto, aponta os possíveis obstáculos. "O problema nos EUA
e em outros países que têm
consensos semelhantes é que
os psiquiatras às vezes não estão em um local onde seja fácil
de fazer esse monitoramento,
eles não estão em hospitais gerais, mas em centros separados
onde não têm acesso a todos os
recursos para os testes."
Frente à dificuldade de acesso aos exames, Newcomer recomenda que, pelo menos, os
psiquiatras acompanhem o peso de seus pacientes e estimulem hábitos saudáveis.
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