São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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Doente mental morre mais cedo

Psiquiatra John Newcomer, da Universidade de Washington, liga mortes ao uso de certos remédios

Diversos estudos associam drogas psiquiátricas mais modernas a ganho de peso, alta do colesterol, diabetes e problemas cardiovasculares

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Pacientes com problemas mentais estão vivendo menos do que o restante da população, e as drogas psiquiátricas podem estar por trás dessas mortes prematuras.
A hipótese é que os mesmos remédios que permitem a uma pessoa com doença psiquiátrica controlar sintomas dolorosos para ela e a família (mania de perseguição, alucinações) ocasionem ganho de peso, diabetes, alta do colesterol e até uma morte prematura por infarto se o paciente não tiver o acompanhamento adequado.
O alerta foi feito na semana passada pelo professor de psiquiatria da Universidade de Washington (EUA) John Newcomer, especialista em reações adversas dessas drogas, em visita ao Brasil.
Ele falou sobre a necessidade de monitoramento do uso dos remédios -parte dos psiquiatras só aprende a se preocupar com o paciente do "pescoço para cima", diz. Newcomer também foi ao Ministério da Saúde.
"Pacientes com doença mental estão perdendo 25, 30 anos de vida em média, morrendo nos EUA e em países em desenvolvimento aos 50, quando deveriam morrer com 70 e pouco anos. Alguma coisa está acontecendo", afirmou Newcomer.
Além de professor, ele também é revisor do periódico científico "New England Journal of Medicine". O docente já fez trabalhos para laboratórios farmacêuticos e sua viagem ao Brasil foi a convite de uma editora de livros científicos.
"Há alguns dados que apontam que mortes por doença cardiovascular estão crescendo em pessoas com esquizofrenia com o passar dos anos, enquanto na população em geral nos EUA a mortalidade por doença cardiovascular está caindo".
O foco de sua preocupação são remédios antipsicóticos de segunda geração, mais modernos, como a clozapina, olanzapina, risperidona e quetiapina (vendidas no Brasil), utilizadas desde o início dos anos 90 contra doenças como a esquizofrenia e o transtorno bipolar -há cerca de 5 milhões de portadores das doenças no país.
Mas alguns antipsicóticos mais antigos, como a clorpromazina, existente desde os anos 50, não estão livres dos efeitos adversos, afirma.
Segundo Newcomer, já há diversos estudos que apontam a relação entre o uso de antipsicóticos e os problemas cardiovasculares e metabólicos -ainda não se sabe a causa. Pacientes chegam a engordar 5 kg em dez semanas de tratamento.
Para o professor, são dados mais contundentes do que uma outra linha de pesquisa, que aponta que a própria doença psiquiátrica poderia trazer os problemas cardiovasculares. "Temos muito pouca evidência de que a doença ou o estilo de vida levem a isso."
No início do ano, um dos fabricantes de drogas de segunda geração, a Eli Lilly, decidiu pagar US$ 500 milhões (R$ 1,1 milhão) a 18 mil pacientes no EUA para evitar processos de pessoas que diziam ter desenvolvido diabetes e outras doenças ao usarem olanzapina (Zyprexa).
Os laboratórios, diz Newcomer, vêm fazendo alterações nas bulas para incluir alguns possíveis efeitos adversos (não todos). "Não foi o bastante".
Em duas semanas, as sociedades brasileiras de endocrinologia e diabetes, entre outras, que estiveram reunidas com o professor, pretendem lançar um guia para médicos e pacientes sobre os remédios.
A idéia é seguir o que foi feito nos EUA em 2003 e em outros países: especificar os exames de acompanhamento que o paciente tem de fazer enquanto usa os remédios -colesterol, níveis de açúcar no sangue -e também a periodicidade.
O próprio Newcomer, no entanto, aponta os possíveis obstáculos. "O problema nos EUA e em outros países que têm consensos semelhantes é que os psiquiatras às vezes não estão em um local onde seja fácil de fazer esse monitoramento, eles não estão em hospitais gerais, mas em centros separados onde não têm acesso a todos os recursos para os testes."
Frente à dificuldade de acesso aos exames, Newcomer recomenda que, pelo menos, os psiquiatras acompanhem o peso de seus pacientes e estimulem hábitos saudáveis.


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