São Paulo, quarta, 11 de março de 1998

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OPINIÃO
Impunidade que mata

RICARDO VIVEIROS
O verbete "ética" tem a seguinte definição: "Estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação, do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto". A ética, a moral e todos os costumes têm parâmetros análogos à cultura de cada sociedade ou era. São referenciais expressos no conjunto das leis. Para cumprir seu papel, as leis devem ser sempre atualizadas à luz das transformações históricas e ter respaldo da estrutura policial e da Justiça.
Bom exemplo da necessidade de atualização é o novo código de trânsito, um inegável avanço. Péssimo exemplo de falta de respaldo ao cumprimento do código é a morosidade da Justiça, além da precariedade do aparato policial.
Há tristes histórias que, depois de ser manchetes dos jornais, passam simplesmente a engrossar as estatísticas. Para os que perderam pessoas queridas, porém, fica a amarga sensação de abandono numa sociedade que resgata uma primitiva lei, a do mais forte.
São Paulo, 23 de junho de 1996. Um desses motoristas que a Justiça "protege" com o benefício do "crime culposo" (quando se pressupõe que não houve intenção) avança um farol vermelho, a mais de 100 km/h, numa noite chuvosa, entrando com seu carro e a irresponsabilidade do "crime doloso" no cruzamento da rua São Caetano com a av. da Cantareira. Atinge o carro de uma família. Morrem o pai, Ricardo Viveiros Filho, e a filha de 6 meses, Mariana.
São Paulo, 26 de fevereiro de 1998. A delegacia de polícia onde foi registrada a ocorrência nem ouviu as testemunhas. O motorista infrator continua dirigindo.
São Paulo, 20 de fevereiro de 1998. A sra. Ednah Moore cruza, em alta velocidade, o farol vermelho na confluência das avenidas São João e Ipiranga. Mata uma senhora, fere o filho de 10 anos e arrasta por quase um quilômetro a jovem Ana Paula, que fica gravemente ferida. Cruza mais um semáforo vermelho e só pára ao colidir com um ônibus. Paga fiança de R$ 800 e é libertada.
Apesar do código, histórias com o mesmo final infeliz continuarão transformando veículos em armas letais. Urge aprofundar a discussão jurídica, com rápida alteração do Código Penal, reordenando os conceitos de dolo e culpa nos crimes de trânsito. Cabe dotar a polícia de adequada infra-estrutura, contingentes e equipamentos, para evitar a demora dos inquéritos e do envio dos casos à Justiça.
Somente assim os motoristas sem princípios de ética, moral e respeito à vida seriam reprimidos em seus impulsos violentos. A impunidade no trânsito continua ceifando vidas! Enquanto isso, o novo código... Ora, o código...


Ricardo Viveiros, 47, é jornalista e escritor



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